Julinho Mendes

A imagem acima é de um entalhe em madeira, madeira dura por sinal, se não for timbuíba é urucurana. Representa um caçador. Essa peça eu ganhei de dona Áurea Bianchi; disse ela que o autor (escultor) poderia ser o "Mudinho", artesão escultor que trabalhava com o Marcos Teixeira. Só mesmo o Marquinhos para reconhecer a peça!

Trouxe para casa para consertar as pernas que estavam quebradas e colocar a coronha e o cano na espingardinha. Ao ver a estatueta, meu pai logo falou:

- Tá parecendo o finado Vicente Ramos!

- Por que tá parecendo tanto com seu Vicente? - Perguntei.

Papai fez uma breve viagem ao passado e contou:

- Quando vim para Ubatuba, por volta de 1955, uma das primeiras pessoas que conheci foi o Vicente Ramos. Fiz amizade com ele porque fiquei sabendo que ele era caçador e eu também gostava de caçar, então, logo marcamos uma caçada. Eu não conhecia as matas de Ubatuba e foi ele que me ensinou todas as picadas da Serra, do Taquaral, Casanga, Morro da Berta... Era um grande caçador. Gostava de piar macuco. Cacei muito com o seu Vicente! Depois conheci o Juventino, o Zé Diniz, o Caixa d’água, o Arcendino, o Oscar Miguel, Mané do Onofre, Tião Mesquita... todos foram companheiros de caçada, mas companheirões mesmo foram o seu Vicente, o Zé Diniz e o Juventino.

- Mas por que a escultura está parecendo com o seu Vicente? - Indaguei de novo.

- Ahhhh! Ele usava um casacão e um “emborná” de couro, chapéu parecido com esse do boneco, facão de lado e espingarda cano grosso. Era meio gordo, forte e segurava a espingarda do mesmo jeito. Ehhhh seu Vicente! Trazia o macuco no cano da espingarda! Quantos macucos ele piou pra eu atirar! Tempo bom aquele! Um dia foi engraçado: voltávamos cedo de uma caçada e num descampado de mato, um bando de andorinhão revoava em piados incessantes; o tempo estava arruinando. Seu Vicente apontou a espingarda para o alto e deu um tiro; caíram umas trinta andorinhas lá de cima, aí eu perguntei como tinha feito aquilo e ele então me respondeu:

- Você não viu, Isaias, que eu, na hora que atirei, dei uma chacoalhada no cano da espingarda?

Rimos e papai continuou:

- Dia 1º de maio abria a caçada. A gente tirava a carteira de licença e ia pro mato quase todo final de semana. Tinha muita caça. Quando íamos pousar no mato, era o seu Vicente que fazia o rancho; tinha que ver, o homem era craque, fazia com gosto, trançadinho com guarecanga que podia chover que não varava água de jeito nenhum. Também gostava de cozinhar, fazia um escardado de passarinho e um tatu no feijão que era uma beleza. Deixe essa estatueta aí, Julinho, que eu quero lembrar e recordar dos meus tempos de caçada com seu Vicente Ramos! - Finalizou.

Papai conta dessas suas aventuras, tanto de caçadas como de pescarias, com muitas saudades, mas com toda consciência sabe reconhecer que a vida é de momentos e é de fases, e ele aproveitou muito o que gostava de fazer, tanto o profissional como o hobby.

Do seu Vicente Ramos, eu guardo um pio de inhambu, ele me deu numa das prosas que tínhamos quando ele, já de idade, ficava sentado na varanda de sua casa na rua Thomaz Galhardo, esquina com a Gastão Madeira. Seu Vicente foi funcionário do Departamento de Estrada e Rodagem, o famoso DER.