Julinho Mendes | |
Um dia, lá naquele recinto cultural, ao sabor de uma geladinha, uma branquinha, um “churrasquinho de gato”, vagamos em memórias de tempos idos. Uma das recordações foi em torno das brincadeiras de criança: bolinha de gude, taco, estilingue, e, dentre tantas, lembramos, ainda, do jogo de pião. Como era gostoso jogar pião! Tinha a brincadeira aleatória: onde se jogava apenas para ver o bichinho rodar e zunir que nem mamangava e ainda para fazer malabares, jogando o pião de uma mão para a outra e fazendo ainda caminhar pelo braço. O difícil era pegar pelas costas da mão e fazer o pião chegar até a unha do polegar. A outra forma de brincadeira de pião era a disputa: jogo de perder ou ganhar, que acontecia com dois ou mais jogadores. Fazia-se um círculo no chão, que chamávamos de cela, e no meio desse círculo cada competidor colocava um pião reserva, ou “pião chama”. Fazia-se o par ou ímpar, três dois um, ou o quatro três dois um, para sortear quem jogava em primeiro, em segundo... O jogo era acertar com o pião principal um dos piões de dentro da cela; o jogador que acertasse e conseguisse tirar o pião adversário para fora da cela, ganhava o pião. Ficava-se horas nessa brincadeira tentando ganhar o pião do colega. Tinha ainda a brincadeira de jogar o pião no pião do colega para cravar ou marcar com a ponta, que era um prego. Existiam os piões industrializados e os torneados em marcenarias, mas o prazeroso e os bons piões eram aqueles que nós mesmos confeccionávamos; fazíamos de toco de goiabeira, de laranjeira, de jabuticabeira, madeiras duras e pesadas, que quando o pião rodava, rodava com firmeza e beleza. Tenho uma cicatriz no dedo indicador esquerdo, de quando fazia um acabamento, raspando com caco de vidro o entorno do pião; num descuido, o vidro deslizou na madeira e foi direto no dedo. Foi um corte feio! Um piãozinho gostoso e fácil de fazer era o pião de coco brejaúba, ou do coco pati, que a gente chamava de pião “carrapeta”. Esse cocos tem o formato de pião, então era só amarrar a corda e jogar, mas nós ainda fazíamos uma ponta e um furo no meio para ouvir o seu zunido. Era bacana! Na cela da conversa que rodava as lembranças, João Honorato, caiçara de coração, profundo conhecedor da cultura dessa terra, me prometeu uns piões “carrapetas”. Tempos depois apareceu ele com os piões, falando que era pro acervo do Museu Caiçara. Há questão de quatro, cinco meses atrás, estranhei a ausência do João Honorato no bar do Mauro, sentando, como de costume, em seu banquinho e tomando a sua cervejinha. Perguntei ao Mauro o paradeiro do João e para minha surpresa e tristeza, a informação foi que o amigo João tinha ido antes do combinado, jogar pião lá no céu. Coisa da vida! Conheci o João no início da década de oitenta, trabalhando como chefe do Serviço de Obras da Prefeitura; depois saiu, e, como grande construtor que era, nunca lhe faltou serviço. Gostava de piar macuco, de pescar tainha com picaré, de tirar marisco na costeira, torcedor fanático do time do Perequê-Açú e grande fazedor de pião “carrapeta”. Em sua memória, os seus piões “carrapetas”, os da imagem acima, fazem parte do acervo do Museu Caiçara. O pião de madeira que aparece à direita foi também doação de um outro caiçara, o saudoso palmeirense Mané Hilário Neto. Pois é! Acho que somos iguais a um pião; a fieira da vida nos joga rodando e a gente pára só quando a força acaba.
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