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COLUNISTA
Eduardo Souza
24/04/2004 - 15h39
Das nossas laranjas estragadas
 
 

Estou farto, cansei desse negócio de política o tempo inteiro. Tudo neste país se reduziu à política. Irrita-me também esse troço de ideologia, esse engessamento da alma humana. Cheguei também à conclusão de que é perda de tempo ficar malhando nossos ilustres políticos. Afinal de contas, eles não surgem em nossas instituições através de geração espontânea. Saem da sociedade, do nosso meio, portanto, espelham o que somos. A nossa intempestiva república só podia resultar nesta nossa incorrigível democracia. Cito o nosso inigualável Machado de Assis: "É uma santa coisa a democracia, não a democracia que faz viver os espertos, a democracia do papel e da palavra, mas a democracia praticada honestamente, regularmente, sinceramente. Quando ela deixa de ser sentimento para ser simplesmente forma, quando deixa de ser idéia para ser simplesmente feitio, nunca será democracia - será esperto-cracia, que é sempre o governo de todos os feitios e de todas as formas".

Quais são as possibilidades de, no escuro, retirarmos laranjas boas de um saco em que grande parte delas está estragada? Para acabar com esse dilema não basta iluminar o recinto, é preciso mais. Há que se cuidar seriamente das laranjeiras de onde se faz a colheita e a conservação dos frutos colhidos. Os gregos, trezentos ou quatrocentos anos antes de Cristo, já sabiam disso.

De quatro em quatro anos, no quarto escuro, enfiamos a mão dentro do saco para apanhar as laranjas. Quando a fruta que pegamos ainda tem uns gominhos aproveitáveis, dizemos: Dos males o menor!... Perdemos por completo a idéia do que seja a fruta ideal, um referencial com que possamos nos guiar. A estupidez máxima, acalentada e nutrida nas últimas décadas, é a nossa contumaz idéia de que a esquerda de um modo geral, e o PT mais especificamente, é a detentora, tem o monopólio da moral e da ética. Quão estúpidos somos a respeito da natureza humana! Vejam no que deu.

Quando alguém critica o vereador de sua cidade ou o prefeito, empunhando ou desfraldando a bandeira da moralidade, quase sempre é algum candidato da "oposição", um safado esperando a vez de ser retirado de dentro do mesmo saco de laranjas, ou algum idiota que, combatendo efeitos em vez das causas, acreditando que é o rabo quem abana o cachorro, bota mertiolate quando a ferida requer cirurgia ou tratamento em UTI.

Dizem que a democracia é um processo, um vir-a-ser, de acertos e erros, de se corrigir à medida que se avança, de respeito à liberdade, aos direitos do indivíduo etc. Até concordo, porém, isso reflete uma crença que vai na alma do nosso povo? Duvideodó. A nossa democracia está reduzida à estupidez de um direito que é obrigatório, o voto.

É a nossa sociedade que, nos últimos cinqüenta anos, vem sendo seriamente combalida na alma, no espírito. São gerações educadas, formadas por medíocres, por essa nossa intelligentsia universitária lambuzada de marxismo e outros ismos, formadores de opinião, defensores de ideologias que demoliram e sepultaram o que havia de bom na tradição, que politizaram a ética e relativizaram tudo o mais. Seguidores ferrenhos de Antonio Gramsci e da sua hegemonia cultural, a antecâmara para o reino da fraternidade e da igualdade socialista. O farol que possa ter havido no passado desse país hoje não passa de uma tremeluzente lamparina. Vejam o que é feito de nossas crianças nas escolas, em que o fundamento pedagógico é a mediocridade, o nivelamento por baixo, resultado das idéias de um sujeito chamado Paulo Freire, de quem são devotas boa parte das nossas professorinhas mal pagas, mal formadas e engajadas em cruzadas pela "justiça social" ou pelo "resgate da cidadania". Argh! O resultado? Olhem em torno. Quantas dessas lindas criancinhas de hoje serão integrantes das nossas elites, das nossas classes dirigentes? O vereador, o prefeito que você elegeu ou elegerá, meu caro, é fruto do nosso ventre, ou melhor, é fruta do mesmo saco, do nosso saco. Haja saco!

(Dica de leitura para melhor conhecer o patropi, ou seja, a nós mesmos: A Coerência das Incertezas - Paulo Mercadante - Editora É Realizações Ltda.)


Nota do Editor: Eduardo Antonio de Souza Netto [1952 - 2012], caiçara, prosador (nas horas vácuas) de Ubatuba, para Ubatuba et orbi.
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