O e-mail enviado pelo amigo Ronaldo Dias ao Nenê Velloso e publicado aqui no O Guaruçá levanta uma questão fundamental sobre o passado de Ubatuba. Questão que, se bem analisada, lançará luz sobre o presente e poderá servir de norte nos rumos que possamos tomar. Não sou a pessoa mais indicada para tal análise, há pessoas gabaritadas como o Claudionor Quirino dos Santos, o José Nélio de Carvalho, o Celso Teixeira Leite, o próprio Nenê Velloso dentre outros. Mas não poderia ficar sem dar o meu pitaco. Quando o Ciccillo Mattarazo foi eleito eu era um garoto de 12 anos. Do evento, lembro-me apenas da agitação e dos brindes da campanha eleitoral: produtos das Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo. Até então, as forças políticas no município giravam em torno dos “caciques” Washington de Oliveira e José Alberto dos Santos. Sempre tive a impressão de que a candidatura do Ciccillo fizesse parte de um plano de um grupo de paulistanos capitaneados pelo Vladimir de Toledo Piza que envolvia, além dos interesses imobiliários, fazer de Ubatuba a Côte D’Azur para usufruto deles. Os caiçaras seriam apenas figurantes. Não sei se o Ciccillo tinha participação nesse plano ou se sua candidatura a prefeito de Ubatuba era apenas um capricho. O sujeito era rico, tinha muitas atividades na Capital, o que o levaria a querer ser prefeito de uma cidadezinha atrasada, afastada de tudo e de todos? Tive acesso a um trabalho, encomendado pelo então prefeito Ciccillo Matarazzo, chamado “Prospecção dos Problemas de Desenvolvimento de Ubatuba”, feito por uma entidade denominada SAGMACS, de São Paulo, da qual participaram as seguintes pessoas: Clementina D. A. De Ambrosis, Frei Benevenuto de Santa Cruz, Luiz Carlos Costa, Antônio Amilcar de Oliveira Lima, Antônio Cláudio Moreira Lima, João Yunes, José Carlos Seixas e Maria Luiza Bresser da Silveira. Nesse trabalho há a sugestão para que se promova a “elevação dos níveis humanos da população, medidas concretas e imediatas da promoção humana são condições imprescindíveis para que a administração possa vir a levar a efeito rapidamente um plano de desenvolvimento autêntico.” Numa outra parte, propõe que “medidas sejam tomadas para a elevação do nível cultural da população para que saíssem da condição de quem apenas ‘assiste’ ao progresso ou é ‘assistida’ à condição de quem dispõe efetivamente dos recursos econômicos, sociais e culturais para se capacitar à participação, ou seja, para se tornar de fato fator de desenvolvimento local e regional”. Esse plano de prospecção esbarra de cara com os problemas da receita municipal e propõe imediata revisão dos impostos. Propõe também a elaboração do Planejamento de Desenvolvimento Turístico e sugere que o prefeito consulte um estudo iniciado em 1960 pelo Centro de Pesquisas e Estudos Urbanísticos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP que, inclusive, tinha um levantamento aerofotogramétrico que poderia ser usado no uso e ocupação do solo com vistas à elaboração do Plano Diretor do Município. Ciccilo Matarazzo não conseguiu implantar quase nada do que havia sido proposto por esse plano. O que conseguiu, o que de fato marcou a história de sua administração, além da oposição que sofria dos vereadores, foi o fato de modernizar a prefeitura, a burocracia administrativa, e estruturar as receitas do município. “O senhor prefeito não administra, quem o faz são seus assessores” - discursava na Câmara um vereador da oposição. Ciccillo permanecia mais tempo em São Paulo e em viagens internacionais do que em Ubatuba. Aqui ficavam seus assessores, alguns trazidos de São Paulo e outros daqui mesmo, que decidiam tudo. A falta de tato político, as ausências constantes, a oposição dos vereadores acabou por tolher a administração do prefeito Ciccillo Matarazzo. José Alberto dos Santos sucedeu Matarazzo na prefeitura, mas foi “renunciado” pelo Exército. Depois vieram o Basílio de Moraes Cavalheiro Filho, o Celso Teixeira Leite, novamente o Basílio e, de 1977 a 1982, José Nélio e Benedito Rodrigues Pereira Filho. No segundo mandato do Basílio foi aprovada a lei de uso e ocupação do solo, a lei nº 474, na mesma época foi inaugurada a tão temida BR-101. Nesse período ocorreu a tal explosão do mercado imobiliário, apimentado com muita grilagem de terras dos caiçaras, e a construção civil viveu seu apogeu. Com a construção civil, no final dos anos 70, começou a terrível imigração. Uma imigração até então jamais vista em outros municípios do Estado de São Paulo. Com a melhoria das estradas brasileiras, a construção de novas rodovias, a diversidade de linhas aéreas com destino a outras localidades do litoral brasileiro, a proximidade com o eixo Rio-São Paulo e a facilitação de locomoção da classe média, criada pelos governos militares, Ubatuba deixou de ser dos ricos paulistanos para ser uma cidade aberta, de todos e de ninguém. Virou a zona que vemos hoje em dia. E o tal Plano Diretor continua sendo uma promessa, mesmo sendo obrigatório por lei federal e decisão do STF. Talvez, caro Ronaldo, se houvesse um Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado para Ubatuba hoje não teríamos muitas das nossas mazelas atuais. O Plano Diretor existente, a Lei nº 2892 de 15/12/2006, que precisa ser regulamentado e implantado, hiberna em alguma gaveta. Ubatuba nunca teve planejamento para o desenvolvimento turístico. A Secretaria Municipal de Planejamento e a de Turismo sempre foram órgãos acessórios, irrelevantes, não essenciais às diversas administrações. Para complicar, com a vertiginosa imigração, perdeu-se a cultura caiçara e a atual população carece de um perfil, daquilo que a caracterize, que a distinga. O que é que só nós temos e que as outras cidades não têm que pudesse atrair, o ano inteiro, turistas de bolsos fartos? Hospitalidade, sossego, tranqüilidade como havia outrora? Encerro com essa questão que poderia, quem sabe, ser motivadora ao planejamento para a nossa principal atividade econômica.
Nota do Editor: Eduardo Antonio de Souza Netto [1952 - 2012], caiçara, prosador (nas horas vácuas) de Ubatuba, para Ubatuba et orbi.
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