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Milton Bacurau era um nativo caiçara descendente da família de “seo Altivo” da Praia do Prumirim. Milton Bacurau veio para a cidade e construiu sua casa na rua Hans Staden, ao lado de uma antiga fábrica de beneficiamento de palmito que existia ali na esquina com a rua Liberdade. Casou-se e criou seus filhos com toda dignidade. Milton Bacurau era um dos melhores confeiteiros de Ubatuba, trabalhava na Padaria Estrela, a famosa “Padaria do Zezinho”. Era ele quem fazia as massas dos pães, forneava e antes do sol raiar fazia a entrega domiciliar, transportando pães e leite em seu triciclo de bagageiro dianteiro. Lembro-me que quando acordávamos o pão já estava dependurado na escora do portão, numa sacolinha de pano, frente a nossa rua. Toda casa tinha o seu lugarzinho de espera do pão. Tempo bom aquele! O pão podia endurecer e o leite azedar ali que ninguém metia a mão. Existia um respeito entre os moradores da rua e entre o povo caiçara que era como se fosse uma religião, uma devoção a Deus; ninguém roubava nada de ninguém, ninguém desrespeitava o próximo e o caiçara vivia numa tranqüilidade que hoje só resta saudade. Entre sete e oito horas da manhã, Milton Bacurau terminava seu trabalho e o dia estava livre para ele. Gostava de pescar, gostava de tirar mariscos e guaiás na costeira, ajudava na puxada do arrastão, fazia suas gaiolas de flechas de ubá, fazia rede de pesca... mas o que ele mais gostava era de caçar. Caçava com cachorros. Lembro-me perfeitamente quando o Milton Bacurau passava com a espingarda nas costas, o “borná” à tira colo, a cartucheira na cintura, o bonezinho na cabeça e principalmente conduzindo sua matilha de cães, amarrados num feixe de correntes. Lembro-me do Caramelo, um cachorro americano que tinha um latido choroso; era um dos seus melhores cachorros. Quando ouvíamos os latidos da matilha sabíamos que era Milton bacurau, tanto indo como vindo de sua caçada. Era na vinda que a criançada corria curioso para ver os bichos que Milton Bacurau tinha caçado, e era raro o dia em que ele vinha de mãos abanando; era só bicho de pelo que ele caçava com seus cachorros: era cotia, quati, paca, tatu, porco do mato e até veado galheiro. A caçada dele era na várzea da Estufa, atravessando o rio Tavares, margeando e subindo o morro da Fazenda Velha. Papai também tinha muita amizade com os irmãos Chieus, proprietários da Fazenda Velha, e de vez em quando fazia a sua visita na fazenda para degustar a Ubatubana, pinga produzida pelos irmãos Chieus. Um dia estávamos na fazenda quando chegou o Milton Bacurau em seus trajes de caçador, chegou desesperado sem seus cachorros de caça. - Isaias, Nego, Beco! Vocês não viram meus cachorros passarem aqui? - Nem o latido ouvimos de seus cachorros! - respondemos. - Então me dá uma pinga aí. - Pega aí! A cuia está aí e o tonel está cheio. - Falou Nego. Era uma pinga forte, mas que descia a goela na maior suavidade. Puto da vida com o desaparecimento de seus cachorros, Milton Bacurau foi tomando a Ubatubana, bebendo e contando de suas caçadas. De repente avistamos lá na estrada a cachorrada do Milton atrás de uma cadela no cio. A cachorrada em vez de correrem atrás de uma paca ou de um tatu que fosse, estavam farejando bicho de pelo melhor; seguiram a cadela no cio e tomaram o rumo do Monte Valério. Nisso Milton Bacurau, já mais pra lá do que pra cá, passou a mão na espingarda e saiu atrás da cachorrada dizendo que ia matar um por um. Ao atravessar a pinguela do riozinho da Caetana, empacotou com espingarda e tudo dentro do rio. Foi um Deus nos aguda! Foi um corre-corre desgraçado para salvar o caçador de dentro do rio. Chegamos lá o homem já tava com a barriga parecendo um guaru, de tanta água que tinha engolido. A sorte foi que a espingarda não disparou, podendo causar um sério acidente. Os cachorros, todos cheios de carrapatos, magros e fadigados, apareceram em sua casa só depois de uma semana. Essa é uma pequena história do nosso saudoso Milton Bacurau, em uma passagem pela também saudosa Fazenda Velha dos irmãos Chieus.
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