Julinho Mendes | |
- As casas eram de pau-a-pique, chão batido, portas e janelas de tábuas de bicuíba, ripas de jiçara e cobertas com sapé. Dormia-se em camas de pau duro, a chamada tarimba, forradas com esteiras de taboa e travesseiro enchidos com flor de marcelinha; luz só de lampião; o banheiro era atrás da touceira de bananeira. Banho era no rio ou cachoeira. A comida sim, esta era de dar gosto. Café da manhã era mandioca ou batata-doce cozida; nos meses de maio, junho e julho comia-se ova de tainha seca com farinha torrada e café adoçado com caldo de cana. No almoço: azul marinho, pirão de peixe seco salgado com banana madura; outras vezes era ensopado de paca com batata, macuco assado, tatu no feijão... E por aí afora crescia, com toda força e saúde, o caiçara. Às vezes a verminose e o lombrigueiro atacava a criançada, mas nada como um chá de hortelã ou de limão bravo para dar um novo ânimo. Bicho-de-pé e frieira era o que mais tinha, mas era gostoso coçar o vão de dedo dos pés na fita de taboa que se soltava da cama. A maleita era ruim: de repente gemia de frio, de repente suava de calor; tinha que correr atrás de Seu Filhinho, o único médico da cidade, para remediar... Mamãe contava esses fatos e papai confirmava, acrescentado algo. - Um dia - continuou ela - seu tio Pitágoras pegou maleita... Seu Filhinho não estava na cidade... seu avô também não, tinha ido para a cidade de Santos a trabalho e voltava dentro de três a quatro dias. Mamãe estava só com nós quatro. O menino estava muito ruim; remédio caseiro não lhe adiantava... Nesse dia a cidade se preparava para receber uma ilustre e importante figura religiosa: o bispo diocesano de Santos. Mamãe então falou: - Vamos lá, meus filhos, ver a festa de chegada do bispo, quem sabe ele tem algum remédio pra curar a maleita. - O bispo vinha pelo mar, de barco... A recepção estava formada: era o prefeito com seus vereadores, todos os membros da igreja católica, personagens ilustres da cidade e pode se dizer que toda a população de Ubatuba esperava pelo bispo, numa grandiosa recepção. A chegada estava marcada para às 12 horas; já eram 13 horas e nada. Cansados de esperar, mas ansiosos, não arredavam os pés da praia do Cruzeiro; quando já 14 horas surgiu no horizonte o tão esperado barco... aí a euforia foi grande. Na proa do barco, firme e imponente, vestido, que de longe parecia mais um termo preto do que uma batina, vinha lá o grandioso bispo... Foguetes e rojões ecoaram pelo ar, a “furiosa” pôs-se a tocar, os fiéis tremulavam suas brancas bandeirolas, o prefeito todo pomposo, deu uma alinhada em seu terno, endireitou a coluna e direcionou-se para a recepção... Há menos de 50 metros da praia o barco apoitou... O povo pôs-se a admirar o tal bispo, e logo começou o bafafá; uns comentavam: - É o bispo ou é Santos Dumont? Que bispo esquisito é este que anda de paletó e gravata? Que bispo é esse que anda com chapéu de palha? Que mala é aquela que o bispo carrega? - As admirações e as interrogações enchiam o clima festeiro do local. O foguetório comia solto, a banda não parava de tocar, as beatas cantavam a Ave Maria... e logo ficaram conhecendo quem era o bispo. Mamãe reconhecendo de longe, passou de carreira na frente do prefeito e de todas as autoridades, gritando: - Lindolfo, Lindolfo!? O Pitágoras está muito mau, tá com maleita! - Calma Malvina, calma! - retorquiu seu avô. - O bispo era seu avô Lindolfo que veio de Santos, conseguindo antecipado uma carona com um de seus amigos pescadores. Aí o comentário e a comédia foram grandes. Que decepção do povo e que vergonha das autoridades! - Eu não merecia tal recepção, mas agradeço os vivas!!! - Agradeceu seu avô às autoridades. - O padre passou à frente do prefeito e todo constrangido perguntou: - Seu Lindolfo, cadê o bispo? - Sua benção, padre!? - Deus te abençoe, meu filho! - Olha seu padre, não estou sabendo de bispo algum, vocês estão esperando algum bispo? - Seu avô Lindolfo adorou a recepção e morria de rir. O bispo chegou três dias depois, se desculpando pelo atraso e rindo também do fato anteriormente acontecido. Coisas de Ubatuba!
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