Ganhei um frango, na verdade, um galo, de minha nora. Explico-me. Numa conversa recente, disse-lhe que estava com uma vontade danada de comer frango caipira ensopado, com mandioca, batata, hortelã castelo e pimenta de cheiro. Feito na panela de barro que a Isildinha me comprou numa viagem que ela fez ao litoral do Espírito Santo. Dias depois dessa conversa com minha nora, apareceu-me em casa o frango. Só que veio vivo! Aí o bicho pegou. Foi só olharmos um nos olhos do outro para que eu desistisse do galocídio. Olhar nos olhos da vítima é complicado. Mudei-lhe um aspecto de sua essência, a de servir de alimento ao homem, porém, mantive o de testemunhar a glória do Criador. Bem, o resultado é que o galo está lá no quintal, como um petista, inimputável, além do bem e do mal, convivendo com os gatos. Um galo índio, saído da adolescência, esporas ainda em formação, mas com uma pose que só vendo. Já canta. E como canta o danado! Começa às 4 da matina, bem debaixo da janela do meu quarto. Tento me adaptar... A presença desse galo me levou a algumas reflexões. Ele passou a integrar minha vida e eu a dele. O quanto cada um de nós foi ou será transformado? De qualquer maneira, agora sou um sujeito, entrando na terceira idade, que tem um galo índio não-ensopado, no quintal de casa. Mas Deus é que sabe do riscado do bordado. Na vida nada ocorre por acaso. Uma variedade enorme de fatores concorre para resultar num determinado fato. Alguns são causas eficientes, outros, apenas necessárias... Este galo ainda vai me dar o que falar... Deixemos as divagações metafísicas. Pensei em lhe dar o nome de Orlando Silva, o Cantor das Multidões. Desisti porque ele, o galo, poderia se ofender, pensando se tratar do ministro da Dilma recentemente escaldado, depenado e defenestrado. Canta de hora em hora, britânico. Está lá, convivendo com os bichanos. Até os restos do almoço eles comem juntos. Sem discussões ou brigas, confraternizando-se numa verdadeira ágape. Só espero que, nas refeições ordinárias, o galo não invente de comer a ração dos gatos e estes o milho do galo. Aos poucos as coisas hão de se ajeitar. O regime no meu quintal é bem democrático. Faço de tudo para que as individualidades, as diferenças sejam respeitadas. Respeito acima de tudo. Ordem e hierarquia também: faço-lhes lembrar que o quintal, afinal de contas, é meu. Senão vira zona, terreno baldio, ora bolas! Agora, o que está me incomodando é esta vontade que não passa de um frango ensopado naquela panela de barro que a Isildinha gentilmente me comprou lá no Espírito Santo. Um franguinho caipira bem temperadinho, hein? ...
Nota do Editor: Eduardo Antonio de Souza Netto [1952 - 2012], caiçara, prosador (nas horas vácuas) de Ubatuba, para Ubatuba et orbi.
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