Disseram-me que haveria uma superpopulação de tartarugas nas águas da baía da cidade. Se for verdade, a coisa é séria. Pode ser bom por um lado e mau por outro, como tudo na vida. É bom porque atesta a competência dessas pessoas que ganham a vida preservando espécies animais. Por outro lado, é mau porque, atingido o objetivo e até mesmo ultrapassando-o (já que supostamente há uma superpopulação dessa espécie), os argumentos para se conseguir dinheiro (público ou privado) para o mesmo projeto ficariam mais complicados. Seria preciso encontrar outra espécie a ser preservada. Eu sugeriria, com a devida vênia do Julinho Mendes, a preservação dos corruptos. É bom também porque se poderia permitir a pesca artesanal, devidamente normatizada. Estaríamos fazendo um bem ao homem, ajudando-o na subsistência, a colocar comida à mesa. Sopa de tartaruga é uma iguaria. Dever-se-ia abrir a temporada de caça à tartaruga, porém, com racionalidade. Caberia até uma sugestão: tartaruga na merenda escolar. Ah, e os nossos artesãos poderiam usar a carapaça para criar objetos artísticos comercializáveis na “feira hippie”. Não, não é que não tenha simpatia pelo bichinho. Não. Muito pelo contrário. Quando criança, ganhei uma, vivinha, do meu tio Barroso, notório pescador caiçara. Fora destinada ao almoço, mas eu argumentei com berros e choro e meu pai, que fazia a maioria das minhas vontades, cedeu. Havia no quintal de casa um tanque que servia a alguns patos onde colocamos a tartaruga. Ficou lá por uma ou duas noites. Meu pai, não podendo degolá-la para não me magoar, pela manhã, soltou-a na Praia do Cruzeiro, que ficava pertinho de casa. Fui junto com ele para conferir. Não. Eu gosto tanto delas que, já na adolescência, meu desenho animado predileto era a Tartaruga Tuché e Dum Dum. Mas a superpopulação é má porque, com tanta tartaruga dando sopa na baía da nossa cidade, corremos o risco de que seus predadores naturais, os tubarões, comecem também a freqüentar as nossas mansas águas. Podemos nos transformar numa cidade igualzinha àquela do filme do Steven Spielberg, que vivia do turismo até que... Já pensou? É má também porque essa superpopulação, se for verdade o que me disseram, pode causar riscos à saúde da molecada que costuma mergulhar lá no cais do porto. Imagine dar um mergulho e arrebentar a cabeça na carapaça de uma delas. Além disso, elas acabarão com os guaiás, saquaritás, sururus e outras espécies da costeira. Aí, então, quem passará fome serão as garoupas, sargos etc. É a tal da cadeia alimentar que se desequilibraria. Por outro lado, é bom, se visto pelos aspectos político e econômico: em vez do epíteto ou divisa “Ubatuba - Capital do surfe”, adotaríamos “Ubatuba - Capital das tartarugas”. Uma nova fonte de riqueza para o município, um atrativo turístico. Insumo que muita gente nativa estaria disposta a zelar para que não se esgotasse. O estômago e o bolso são excelentes motivadores. Não é, Julinho? O Julinho Mendes, bem mais do que eu, é o cara certo para avaliar melhor toda essa situação quelonística. Passo-lhe a palavra.
Nota do Editor: Eduardo Antonio de Souza Netto [1952 - 2012], caiçara, prosador (nas horas vácuas) de Ubatuba, para Ubatuba et orbi.
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