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COLUNISTA
Eduardo Souza
25/10/2011 - 10h00
Causos da aniversariante
 
 

Não vejo nenhuma glória nesse causo do Julinho - se ele matava paratis com estilingue, eu usava bodoque para com os peixes-voadores, quando saíam d’água e sobrevoavam a superfície do mar. Mas só acertava os machos, por uma questão de consciência ambiental. Hoje já não caço mais nada. A não ser a remissão dos meus pecados, que não são poucos.

Ubatubano que nunca teve um causo para contar, não é ubatubano. O Ernê, por exemplo, certa feita, apareceu na Avenida Iperoig segurando um robalo. Disse que havia pego quando velejava pela baía da cidade. O robalo estava boiando, dando sopa, e ele o agarrou pela cauda. O Marino contou-me (e o Toninho testemunhou) que, quando criança, pescava (era tainha, Toninho?) num riacho que passava próximo à porta da cozinha da casa dele. Quando o riacho engordava das chuvas, ele ficava sentado na soleira da porta, com a vara na mão, à espera da beliscada... O meu sogro - que Deus o tenha! -, no rio Grande, perto da casa do Nézinho, matou uma paca com as mãos. Explico. Contou-me que os perdigueiros do Nézinho cercaram a paca no mato e a foram trazendo para o barranco da margem do rio. Meu sogro entrou n’água, posicionou-se e ficou esperando, em pé, com água pela cintura, de pernas abertas. A paca, acuada pelos cachorros, mergulhou e veio vindo, veio vindo... e, quando ia passar por entre sua as pernas, ele a segurou pelo pescoço, com as duas mãos, e a manteve submersa até que a bichinha estrebuchasse afogada. Já o professor Joaquim Lauro, numa reunião política, entre uma caipirinha e outra, contou o causo de um cachorrinho que cresceu com uma ninhada de pintinhos. Adulto, o cachorro em vez de latir, soltava um sonoro cocorocóóóó... Certa vez, ouvi um outro causo impagável: o sujeito fora pescar lá para as bandas da Ilha Anchieta em sua canoa a motor. Ao jogar a poita, percebeu de imediato que a corda que a segurava começou a esticar e, de repente, a canoa estava correndo velozmente mar afora, feito uma voadeira. A poita se prendera na fuça de uma jamanta que, um pouco abaixo da superfície, por ali passeava. Conclusão: a canoa a motor foi rebocada, arrastada em alta velocidade, e foi parar em Paraty... Acredite se quiser. O contador do causo? João Glorioso, O Insuperável. Bem, na verdade acho que ele só era superado pelo Zé Capão, O Imbatível.

Esta minha cidade tem histórias, caro leitor. Sabe de uma coisa, cidade não é só o que dela diz seja um arquiteto, um urbanista ou seja um desses quase sempre equivocados planejadores sociais. Não é feita só de suas ruas, de seus espaços públicos, de seus prédios, de sua economia, de sua política. Uma cidade é também uma comunhão invisível entre o homem e todas as coisas. Um diálogo constante, uma relação que conquista espaços em nossa memória. A cidade é o cenário e o palco de nossa existência, de nosso lidar cotidiano com as coisas e com os outros homens. Uma relação dialética em que ela é o que nós somos e muito do que somos devemos a ela. A cidade é o modo-de-ser de seu povo, de sua cultura, de seu patrimônio imaterial. Platão diz que a cidade é o homem em escala ampliada. Então, no aniversário de minha cidade, quero congratular-me com esse homem, com aqueles que a construíram, os vivos e os mortos. Aqueles que, no passado, a fizeram uma cidade alegre, hospitaleira e segura. Isso porque esses valores estavam fundeados em suas almas. Ubatuba, uma cidade de muitos causos para se contar, mas de poucos contadores de causos. Ainda bem que temos o Julinho Mendes, o José Ronaldo, o Ezequiel, a Cristina de Oliveira e a Fátima de Souza, que captam, que entendem melhor do que ninguém esse modo-de-ser caiçara. Parabéns a nós, ubatubanos e ubatubenses, pela cidade que fomos e pela cidade que ainda seremos.


Nota do Editor: Eduardo Antonio de Souza Netto [1952 - 2012], caiçara, prosador (nas horas vácuas) de Ubatuba, para Ubatuba et orbi.
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