Meu neto, de seis anos, pediu-me de presente um determinado brinquedo. Falou-me ao telefone: - “Vô, você compra pra mim um bleibleid...” - respondi-lhe que não havia entendido. - “Blei-blei-de-me-tal-fiu-jon! Entendeu agora?” - explicou-me, escandindo as sílabas. - “Ah!... Tá...” - retruquei. Desligamos. Corri ao Google para ver se descobria que raio de brinquedo era aquele. Achei. Respirei aliviado. Fui a uma loja, a vendedora desconhecia. Fui à outra, a menina que me atendeu decifrou o que eu queria, deu-me o nome correto, mas já não tinha mais o tal brinquedo. Depois de andar um bocado, encontrei-o numa papelaria. O preço, salgado. Era deste tamanhinho. Mas havia prometido e se, como dizem, avô é pai duas vezes, senti-me duas vezes comprometido em dar-lhe o presente. Dizem que os avôs e avós estragam a educação dos netos. Já me fizeram essa acusação. To nem aí. Avôs e avós colocam na alma da gente as primeiras sementes de saudade. Dizem que Deus não é pai, mas, sim, avô. Acho que pela paciência, compreensão e amorosidade infinita. Se bem que tem hora que dá vontade de dar uma palmadinha... de leve. Se há uma coisa que me deixa extasiado, abobalhado de alegria é ver criança desembrulhar presente. O brilho nos olhinhos, a ansiedade, a careta, o sorrisinho nervoso. Para os meus filhos, no Natal, comprava vários brinquedos desses mais baratos e mandava fazer embrulhos separados. Eles não se importavam muito com a qualidade. Quando acordavam, na manhã do dia de Natal, era aquela festa. Momentos inesquecíveis. Um mês depois, nem vestígios dos presentes. Criança vive o momento, intensamente, desligadas do tempo, ao contrário dos adultos que vivem sob o peso do passado e as ansiedades e incertezas do amanhã. Esse meu netinho é mesmo levado da breca! Usa a Internet pra brincar com joguinhos online e, quando não é o computador, é o tal do play station. Valha-me Deus! Está por dentro de coisas que no meu tempo de criança não dava para imaginar que existissem, nem mesmo no planeta Mongo, do cruel tirano Ming, o Impiedoso, das aventuras do Flash Gordon. Geração que sabe o que quer e vai direto ao assunto, ou ao fornecedor. Informada, experta, geração da era tecnológica. Comparada com essa geração, a minha foi primitiva. Não importa o brinquedo, mas o brincar, o exercitar a imaginação, a fantasia. Brincar é se divertir, é separar-se, afastar-se da realidade. A realidade é coisa do mundo adulto. Realidade humana dolorosa, ambígua, submetida às circunstâncias, ao tempo que não cessa de fluir. No brincar, o tempo pára. Os momentos da infância são eternos. É também uma maneira de os pais se verem livres dos filhos, pelo menos por algumas horas, instantes. Meu pai, quando eu levava minha mãe à beira de um ataque de nervos, despachava-me para a casa de minha avó Maria, que tinha um quintal cheio de laranjeiras (até hoje não me esqueço da laranja Bahia, aquela de umbigo). Será que ficar velho é voltar à infância? Tomara que seja, porque já estou nesta estrada. Só não consigo brincar com o “bleibleid metal fusion” que dei de presente ao Luiz Henrique. Sou do tempo do pião, que a gente fazia de madeira, de galho de goiabeira. O tal do “bleibleid metal fusion” não passa de um pião metido a besta, importado, caro. Se não aprender a brincar com ele, tentarei convencer e ensinar o meu neto a jogar taco, que é o beisebol do Terceiro Mundo. Primitivo, mas diverte pra caramba. E eu quero mais é me regalar com meu neto.
Nota do Editor: Eduardo Antonio de Souza Netto [1952 - 2012], caiçara, prosador (nas horas vácuas) de Ubatuba, para Ubatuba et orbi.
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