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COLUNISTA
Eduardo Souza
29/09/2011 - 08h03
Exercitando a imaginação
 
 

A escassez de peixes e crustáceos na baía de nossa cidade, Zé Ronaldo, só perde para a escassez de idéias e de vontade para tornar esta cidade opulenta na qualidade de vida e na criatividade urbanística. Outro dia, estive com um amigo advogado no prédio do Fórum. Enquanto ele cuidava do ofício, eu fiquei a imaginar do que seria composto o cérebro do arquiteto que projetou aquela coisa. Um prédio horroroso, no meio do mato, sem nada que nos lembre que ali está instalado o poder judiciário, o mais importante, nos dias de hoje, pilar da cidadania e da democracia. A urbanização da cidade é um caos.

Quanto à nossa baía, Zé Ronaldo, que cidade não gostaria de tê-la para explorá-la turisticamente? O mar deveria ser visto como integrante do nosso espaço vital e não ser tratado como fundo de quintal. Dirão que não temos dinheiro, mas também não temos idéias, vontade e tampouco criatividade. Quem olhar demoradamente para a Baía de Ubatuba, estando na praia do Cruzeiro ou estando no cais da Ponta Grossa, será levado a exclamar: O povo desta cidade joga suas pérolas aos porcos!

Não faz muito tempo, estava eu lá no Cais do Porto, apreciando a paisagem, contemplando o sol que caminhava para se esconder na Serra do Mar, espalhando reflexos rutilantes na superfície morna e mansa do Atlântico, quando comecei a imaginar o que faria para transformar aquele local num atrativo turístico invejável e rentável. De cara, reformaria o cais para a atracação de lanchas e de pequenos barcos, para os mergulhos no mar e para os que praticam a pesca amadora. Faria uma parceria com o Governo do Estado para reformar e destinar aquele velho prédio, que dizem ser do Instituto de Pesca (e que nem por isso deixa de ser nosso), para nele instalar um museu ou um aquário e nele implantava também, mediante licitação, serviços de lanchonete e loja de conveniência. Faria estacionamentos, colocaria luminárias suficientes para o uso noturno do local, diversos bancos em alvenaria, voltados para o mar, e banheiros públicos.

Já na volta para casa, lembrei-me de velhas discussões sobre a colocação de recifes artificiais na baía e a revitalização dos três rios que nela deságuam. Continuei a imaginar. Primeiro, acabaria com os esgotos particulares que são jogados nesses rios, com fiscalização severa e multas bastante sensíveis aos bolsos dos infratores. Faria o mesmo com a estação de tratamento da SABESP, para evitar possível poluição do rio Tavares e do mar. Mandaria desassorear esses rios. Só depois é que instalaria os recifes artificiais. Sem essas providências, fica difícil fazer com que a baía volte a ser piscosa.

Imaginei ainda, urbanizar o berço histórico da cidade, composto pela Prainha do Matarazzo, a foz do Rio Grande, a Ilha dos Pescadores, o Grupo Escolar Dr. Esteves da Silva, a “Rua da Rampa” - trecho entre a rua Jordão Homem da Costa e a cabeceira da ponte. Estenderia o calçadão central até o largo da Matriz. Faria com que nesses locais fosse contada a história de Ubatuba e defini-los-ia, prioritariamente, como espaços para pedestres.

As casinhas da Ilha dos Pescadores, por exemplo, não poderiam ser pintadas, cada uma delas, com cores distintas, alegres? As peixarias e os estabelecimentos da “Rua da Rampa” não poderiam também ser coloridas assim? E essas peixarias precisam jogar restos de pescados no rio, deixando aquela fedentina insuportável no verão? Resgatar o Rio Grande. Impedir o despejo de esgoto, desassoreá-lo, torná-lo navegável e cheio de vida como no meu tempo de infância. Já devo ter falado aqui no O Guaruçá da minha intensa ligação com esse rio. Cresci à beira do Rio Grande, de sua foz. Vivia percorrendo-o de canoa. Houve um tempo em que suas águas eram potáveis e cheias de vida: robalos, tainhas e paratis adentravam-no em cardumes...

É, Zé Ronaldo, imaginar não faz mal a ninguém. Agora, imagine você se o povo também gostasse de imaginar e toda essa imaginação se transformasse em vontade e começasse a exigir a concretização de todas essas coisas? Teríamos não só os peixes na baía, mas também uma ardentia danada de beleza e de cidadania. Já imaginou?


Nota do Editor: Eduardo Antonio de Souza Netto [1952 - 2012], caiçara, prosador (nas horas vácuas) de Ubatuba, para Ubatuba et orbi.
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