O dia amanheceu cinzento. Domingo, a chuva dera uma trégua. Não agüentava mais ficar olhando para as paredes. Resolvi pescar na boca da barra do rio Grande, ali pertinho de casa. Devia ter lá os meus 12, 13 anos. Quando me viu pegar a linhada de mão, minha mãe logo veio metendo bronca: “Hoje não é dia de pescar. Não quero você na beira do rio ou na costeira!” Ela se descuidou, eu saí de fininho. Passei no mercado de peixe, que na época ficava ao lado do posto de gasolina do Fiovo Frediani, pedi um punhado de camarão ao Seu Pinho e me mandei lá para baixo da velha ponte de madeira, sobre o braço esquerdo do rio.

Àquela hora, o rio vazava veloz. Correnteza forte, águas amareladas das chuvas. Ajeitei-me numa pedra, isquei o pequeno anzol e arremessei. Para meu descontentamento, mal a chumbada caía na água era logo arrastada em direção às pilastras da ponte. Não chegava ao fundo. Arremessei diversas vezes, perdi muitas iscas, não tinha jeito. Bem que a mãe falou... Será que é porque é domingo?... Mãe é fogo... Já estava quase desistindo do meu intento, quando percebi um remanso próximo da outra margem do rio. Isquei o anzol, girei, girei com força a linhada e arremessei. A chumbada foi cair exatamente no local em que eu havia mirado, porém, o restante da linha, no meio do rio, começou a embarrigar.

De repente, senti a fisgada forte. Dei o tranco. A linhada esticou. Pela força, era peixe grande. Fiquei nervoso. Preocupado com a finura da linha e o tamanho do anzol. Foi levando linha. Foi levando linha. Quando afrouxava um pouco, eu recolhia. Esticava de novo, eu dava linha. Fiquei um tempão nessa lida. Subitamente a linha bambeou. Escapou! Pensei. Comecei a recolher a linha rapidamente. Foi então que o valente surgiu, cansado, próximo à superfície e pude vê-lo: um robalo! PQP!!! Fiquei eufórico. Cuidadosamente, trouxe-o para perto da pedra em que eu estava. No momento em que me agachei para tentar agarrá-lo, mantendo a linhada esticada com a mão esquerda, olhei na fuça do danado e notei, estarrecido, que o empatezinho do anzol (desses que a gente compra pronto nas lojas) estava totalmente aberto! Imediatamente levei a mão para pegá-lo pelo rabo e então... plaft... deu uma rabeada violenta e lá se foi o filha da mãe com aquela merdinha de anzol grudado na boca como troféu! Escafedeu-se naquelas odiosas águas barrentas! Eu fiquei com a linhada, a chumbada e pê da vida, naquela manhã cinzenta de domingo.

Senti o gosto de barro do fracasso. Não tinha anzol sobressalente. Mas, mesmo que tivesse, aquele robalo... Minha mãe... Só podia ser castigo... Desconsolado, juntei a tralha e vim embora. No caminho, refletia sobre o ocorrido e pude então tirar dessa experiência uma lição, pode-se tirar outras, mas esta eu sempre trago comigo, serve para algumas situações na vida: Não se pega peixe grande com anzol pequeno. Muito menos com empatezinhos ordinários que a gente compra pronto nas lojas de pesca. Ah, e desobedecer mãe, no domingo, não é brinquedo não!