Aquele passeio, com gaivotas estilizadas, em mosaico português, Nelinha, foi construído quando seu pai era prefeito desta cidade. A idéia fora criar um espaço público para o bem-estar das pessoas - ubatubenses e turistas - que na época faziam da Avenida Iperoig um ponto de encontro, um lugar de diversão, de convivência. As noites em Ubatuba começavam e terminavam nela. O projeto previa um passeio com uma área considerável, com bancos e jardineiras, que se estendesse até a metade da pista, deixando a avenida com uma única mão de trânsito e estacionamentos no lado da praia. Neste lado, haviam sido projetados diversos usos e atividades. Até mesmo uma concha acústica para shows ao ar livre foi pensada. Lembra-se daquela estrutura redonda, de concreto, que havia onde depois foi instalado o famigerado parquinho do Trombini? Chamavam-na de “sonrisal”, lembra-se? Aquilo era para ser um palco com conchas acústicas removíveis. Mas, devido à reação raivosa de alguns “comerciantes” locais, quando viram a maquete, o passeio foi encurtado e as duas pistas mantidas. Esse projeto, se não jogaram fora, deve estar em algum fundo de gaveta na secretaria de arquitetura da prefeitura. Era o oposto do que fizeram com a avenida atual, que deve ter sido planejada para... automóveis. Em Ubatuba, os automóveis vêm em primeiro lugar e os pedestres, apenas um acessório. A Avenida Iperoig está morta. Dá para acreditar? A principal avenida da cidade, à beira-mar, morta. Talvez porque tenha perdido o sentido que tinha, tornando-se apenas um lugar para se ir e vir. A Nelinha (chamo-a assim porque a conheço desde menina) sente saudades das gaivotas desenhadas com mosaico português. Eu, das gaivotas vivas. Daquelas que adornavam, em bandos, a baía da cidade. Para onde foram as gaivotas de Ubatuba?... Sentir saudades, tentar entender por que o que foi bom se perdeu. Sinto saudades de muitas pessoas, de muitas coisas boas que Deus me permitiu viver nesta cidade. Não é banzo. Não é doentio. Não é uma saudade dolorosa. Não é um saudosismo. “É um delicioso pungir de acerbo espinho” (anotei esta frase, mas me esqueci de anotar o nome do autor!). Buscar na memória as experiências, os acontecimentos para entender o presente, para me situar, para saber a que me ater. Vivemos tempos sombrios, embora muita gente não perceba ou só tenha olhos voltados para o próprio umbigo. Tenho saudades dos tempos em que era possível viver em segurança, tranqüilidade e descontração. Tenho saudades do tempo em que era possível o convívio de porcos-espinhos sob o mesmo teto, em que, mesmo com algumas espetadelas ocasionais, havia a tolerância, a magnanimidade. Nada parecido com os tempos atuais em que as diferenças se transformam em ódio, cuja baba desemboca nos fóruns ou nas vias de fato. Nunca vi tantos bradarem por justiça. Nunca os processos se amontoaram tanto nos tribunais. Nunca vi surgirem tantas igrejas e, no entanto, nunca vi vicejar tanto a safadeza, a imoralidade e a violência criminosa. Sinto saudade de quando esta cidade não se atormentava tanto com a política, e as pessoas não eram classificadas entre aquelas que não dormem por causa de quem está prefeito e as que se embalam nas redes do poder como se este fosse durar para sempre. A casa dividida não prevalecerá, diz o versículo bíblico, mas a nossa não encontrou quem a unifique. Talvez porque não haja quem entenda o passado, não saiba lidar com o presente e não consiga vislumbrar o futuro.
Nota do Editor: Eduardo Antonio de Souza Netto [1952 - 2012], caiçara, prosador (nas horas vácuas) de Ubatuba, para Ubatuba et orbi.
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