Tentei enviar e-mails com mensagens de Natal aos amigos, mas o tal do provedor gratuito que utilizo estava numa lerdeza de dar gosto, comparável as ações do ministério da justiça no combate ao narcotráfico. Já as de Ano Novo, faço-as aqui, desejando aos amigos que Deus (sim, o Deus cristão, o que anda meio fora de moda no mundo ocidental tecnológico e materialista) os ilumine em suas escolhas e em seus caminhos; aos possíveis inimigos que Ele os tornem justos para comigo e aos amigos que já se foram que tenha misericórdia de suas almas. Quanto à minha cidade (seria esta a minha cidade?), que fizesse com que aqueles que detêm algum poder de influir sobre nossas vidas entendessem de uma vez por todas que, sem lhe conhecer direito a alma, não lhe curaremos as doenças do corpo. Quase todos os diagnósticos têm sido equivocados, e os medicamentos que há algum tempo vêm sendo ministrados à cidade só têm feito torná-la pior. São paliativos ou cosméticos para lhe camuflar a lividez. Nesta cidade perdeu-se a graça de viver, de habitá-la. A Ubatuba que os de minha geração conheceram, a que guardo no coração, era pobre, de pés no chão de areia, tinha lá seus pecados veniais, verminoses e tosses-compridas, porém, a alma era alegre e hospitaleira, uma cidade aprazível, segura de se viver. As janelas e portas dormiam sem trancas, e se, por exemplo, alguma bicicleta pernoitasse na rua, no dia seguinte o dono a encontraria no mesmo lugar em que a esquecera. Não sabíamos então que cidade gostaríamos de ser. Alguns adventícios, com nativos incautos a reboque e a aplaudi-los, profetizavam que seríamos tal e qual aquelas cidades da Riviera Francesa; outros a imaginavam uma futura Guarujá... O futuro chegou, como atleta de cem metros rasos, e nem uma coisa, nem outra. Querendo ter tantos perfis, perdemos o que tínhamos, o que nos dava identidade e nos diferenciava e ficamos com esta cara nenhuma. Nem caipira, nem caiçara. Como será hoje em dia a alma desta cidade? Que está em desordem e doente, podem apostar que está. Tivemos o nosso tsuname há algumas décadas. Ondas vertiginosas e ininterruptas de migrantes, de especuladores imobiliários, e dos tais turistas de massa que vieram e continuam vindo para cá com uma mão na frente e outra atrás. As pragas de rãs e gafanhotos no Egito não foram tão deletérias. O estrago foi grande. Aos que sobreviveram restou a saudade em meio aos apocalípticos e esganiçados berros de duplas sertanejas e do baticum ensurdecedor do axé baiano no aparelho de som do carro estacionado ao lado ou defronte de nossas casas. Se o futuro é que dita nosso comportamento no presente, imaginar a Ubatuba do futuro que desejamos será necessário conhecer-lhe melhor o passado para não se repetir os erros, conhecer o que nele havia de essencial e de acidental, distinguir o que nele havia de bom e de mau, de alegre e de triste, de falso e de verdadeiro, que a fez resposta ou resultado dos projetos de vida dos que a imaginaram em outras eras. Isso não quer dizer que devamos estar presos ao passado, mesmo porque, como diz Ortega Y Gasset: "Não é o que fomos ontem, mas o que vamos fazer juntos amanhã é o que nos reúne". Mas que seja o que Deus quiser. Feliz e Próspero Ano Novo para esta Ubatuba, e aos ubatubenses, mesmo sem saber ao certo quem eles são de fato.
Nota do Editor: Eduardo Antonio de Souza Netto [1952 - 2012], caiçara, prosador (nas horas vácuas) de Ubatuba, para Ubatuba et orbi.
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