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COLUNISTA
Julinho Mendes
13/04/2011 - 10h02
Se pensa que é mentira, pergunta pro Mané Rozendo
 
 
Julinho Mendes 

Como já contamos em outros casos, Joaquim Firme era um caiçara que morava no morro da ponta das Toninhas. Tinha sua casinha na beira da costeira, ladeada a um córrego que desaguava no mar. Ali, ele sobrevivia de suas plantações e criações, além da pesca que era muito farta naquela época. Não precisava ir muito longe para pescar, podia se dizer que da porta da cozinha dava para jogar uma linha n’água para pescar os mais diversos peixes, desde comedio até peixes de grandes portes, como sargos, piragicas, garoupas... Sua lavoura era farta e continha os mais variados cultivos para seu sustento, desde salsinha e coentro para tempero dos peixes até a banana e mandioca para preparar os mais diversos pratos da culinária caiçara: Azul Marinho, Saprezada, Caldeirada... Das criações, criava apenas bicho de pena: galinhas, patos, gansos, pombos e perus. Era das galinhas que mais tinha apreço, pois além dos ovos, o ensopado de galinha era constante em sua cozinha.

Meados de agosto, época em que as galinhas começam a se aninhar para chocar seus ovos; Joaquim Firme ficava apreensivo e tinha os maiores cuidados com aquelas aves, pois se perdesse uma ninhada sequer, faria muita falta no futuro. Os cuidados eram grandes devidos os ataques dos animais silvestres que rodeavam o galinheiro em busca de alimentos, tais como gambás, cobras e lagartos que comiam os ovos, e dos gaviões e carcarás que atacavam os pintinhos.

Tinha ele uma galinha polaca, dessas de pescoço despenado, parecendo esfolado, era uma de suas melhores galinhas; ótima na postura e muito criadeira. Estava ela em seu décimo oitavo dia de choco, mais uns três dias e os pintinhos já estariam fora dos ovos, a agraciar a galinha mãe e muito mais os olhos de Joaquim. Foi nesse décimo oitavo dia que, de madrugada, aconteceu a tragédia que tanto Joaquim temia; um gambazão do pêlo branco adentrou o galinheiro, e, num certeiro golpe abocanhou o pescoço da polaca, matando-a e comendo alguns dos ovos chocos. A gritaria no galinheiro foi grande, parecia briga de vizinhas por causa do gato que roubou a ova de tainha que tava secando em cima do muro. Essa algazarra fez acordar Joaquim Firme que presumindo o que seria, passou a mão na garrucha de carregar pela boca e correu, de lampião na mão, para o galinheiro... Não deu tempo, a polaca já estava morta; procurou o assassino, mas o bicho já estava longe. Aquilo lhe fez entristecer; injuriado e raivoso pegou o balaio com a galinha e os ovos que restaram, jogou ao mar com tudo. Prometeu no outro dia cercar o galinheiro com tudo quanto era tipo de armadilha: mundéu, cumbu, laço de forca e até esparrela armaria nos galhos das árvores para acabar com os gambás que aparecessem. Assim o fez...

Poucos dias passaram e já conformado com a tragédia acontecida em seu galinheiro, saiu para pescar; preparou algumas linhas, anzóis, chumbadas, algumas iscas e foi na Laje da Racha Preta, ver se ferrava alguma garoupa. Era umas seis horas da tarde, hora sagrada de Ave Maria, hora em que o mar se alisa devido a mudança dos ventos, hora em que os peixes de costeira se assanham e costumam meter a boca na isca. Foi o que aconteceu, distraído, olhando a luta de São Jorge contra o dragão, na lua que saia no horizonte... de repente o bicho meteu a boca; distraído que tava, deixou o bicho entocar... era uma grande, e seria uma garoupa pra mais de vinte quilos... Bobeou, mas sabia que uma hora ia sair, e, assim, a paciência lhe fez esperar... Ficou olhando a lua e torcia para que o dragão desse uma rabada nas costelas do cavalo de São Jorge, só pra ver o tombo do Santo... Uma hora, duas, três horas e meia e a linha bambeou, a lua cheia já estava a meia altura... Meteu a mão e forçou, o bicho quis resistir, mas a força de seus braços era maior... A linha 100 cantava na água... Puxou e veio parecendo um cacho de banana; meteu-lhe o bicheiro guelra adentro e puxou pra cima... era um badejão que nunca tinha visto daquele tamanho, tinha até craca na cara e tava com a barriga que parecia um balão. Achou estranho que ao tirar o anzol observou algumas penas de galinha na garganta do peixe. Colocou o bicho no ombro e veio embora; já era tarde e deixou para lidar com o peixe no outro dia. Contou para a mulher da pescaria e foi dormir... Cansado, chegou a sonhar; sonhou um sonho estranho, um sonho que aparecia ele, limpando a garoupa e dentro da barriga do peixe estava sua galinha polaca com seus pintinhos recém-nascidos.

O dia amanheceu bonito, o galo cantou alegre, o peru grugrulejava com pescoço empinado parecendo uma flauta, o ganso grasnava em ré bemol, enfim, a cantoria no galinheiro parecia o coral da madre Glória em dia de festa de aniversário da cidade; o galinheiro estava em festa. Joaquim Firme acordou assustado com aquilo, coisa que não era normal, só acontecia em dia de Natal. O que estaria acontecendo pra toda aquela felicidade no galinheiro?

Levantou, tomou café com farinha de milho e um resto de batata doce, passou a mão na peixeira e foi ao trato do badejão pescado. O peixe tinha ficado no sereno, dependurado pelo bicheiro num galho de goiabeira; ao ver o peixe observou que o bicho estava balançando... Talvez fosse o vento. Pegou o badejão e levou para a beira da cachoeirinha fazer o trabalho de concertar (limpar o peixe).... Tirou as nadadeiras, os ferrões das costas, a palheta da cara, sarjou as escamas e iniciou a abertura na barriga... A faca travou no meio da abertura... precisou de um cacete para continuar; e assim o fez... com muito custo conseguiu abrir e passou a ouvir piados de pinto. Olhou em volta e não viu pinto algum. Aqueles piados estava saindo do bucho do peixe... Abriu então o bucho do badejão e foi aí que deparou com o inacreditável. No bucho do badejo encontrou o balaio, a galinha morta e os pintinhos, que naquela altura já tinham saído dos ovos. Eram dezessete pintinhos e tinha ainda três ovos que estavam quebrando. Foi a sua maior alegria em ver recuperado os pintinhos que pôs para chocar. Lembrou do sonho. É um milagre! Pensou. Aproveitou a galinha que ainda deu para fazer um ensopado com batata, recuperou o balaio e o badejão serviu de pirão por mais de um mês.

Na Laje da Racha Preta, ascendeu três velas amarelas em homenagem a São Jorge.

Acreditem ou não, essa estória que eu dei forma e tempero, foi Mané Rozendo quem me contou, confirmada por Anastácio Rozendo e testemunhada ainda por Isaias Mendes, lá na praia Grande do Bonete, por ocasião de conhecermos a Capela de São Sebastião Padroeiro.

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