Ele foi personagem, protagonista de um dos períodos mais conturbados da nossa história política. Nada comparável, é claro, ao que nos tem assolado nas últimas duas décadas – atuações políticas com um olho na opinião pública e outro na barra dos tribunais. Gestões sub judice. Esse personagem foi vereador, presidente da Câmara Municipal e prefeito de Ubatuba: Basílio de Morais Cavalheiro Filho. Na primeira vez, foi um mandato tampão, devido à renúncia forçada do então prefeito José Alberto dos Santos e do vice, João Coutinho. Basílio era na época o presidente da Câmara. Esse episódio teve também outro protagonista: o vereador Benedito Rodrigues Pereira Filho. Rodrigues foi quem, em outubro de 1970, requereu ao presidente da Câmara que remetesse à Comissão Estadual de Inquérito e ao Comando Geral do II Exército as denúncias de corrupção praticadas pela Administração Municipal e pedia ainda a intervenção no município. O Exército atendeu. Prefeito e vice renunciaram. Não houve intervenção e o Basílio, presidente da Câmara, assumiu a Prefeitura. Em 1972, nas eleições municipais, Basílio, candidato da ARENA 1, venceu seu adversário, Rodrigues, da ARENA 2, com uma diferença de apenas 40 votos. Em compensação, a chapa do Rodrigues elegeu cinco vereadores: Rubens André Costilhas, Zinho, Takashi Makyiama, Ernely Fragoso e eu. Com o apoio do único representante do MDB, o Sílvio Graça, fizemos uma maioria de oposição. Tinha só 21 anos quando assumi uma das cadeiras na Câmara Municipal. Eu e o Basílio fomos adversários políticos. Jamais inimigos. Certa feita, ele precisava celebrar um convênio com o Governo do Estado (na época o governador era o engenheiro Paulo Egydio Martins), telefonou-me (eu estava presidente da Câmara) para acompanhá-lo à Capital. Fui numa boa. Era para o bem da terrinha querida. O vice dele, o Odair Rofino, acabou se tornando um grande amigo. Basílio governou num dos períodos de desenvolvimento mais intenso da história deste município - a década de 70. A construção civil entrava em seu período áureo. Era a época dos grandes loteamentos e das construções à beira-mar de verdadeiras mansões de paulistanos endinheirados que haviam descoberto Ubatuba pelas mãos do Vladimir de Toledo Piza e pelo prestígio do Ciccillo Matarazzo. A exploração imobiliária e a grilagem de terras também tiveram seu apogeu naquela década. Um período de grandes expectativas e de prenúncios dos grandes problemas sociais que adviriam: a migração desenfreada, abençoada pelo direito de ir, vir e permanecer do jeito que desse. Lembro-me de um episódio pitoresco ocorrido quando da inauguração ou entrega da ponte de concreto sobre o rio Grande, a que liga a Av. Iperoig à Av. Felix Guisard. Basílio queria que a ponte tivesse duas pistas. O Secretário de Obras do Estado, o saudoso Rafael Baldacci, disse que não era possível, que a ponte com uma pista só e duas mãos de trânsito eram suficientes. No dia da inauguração, Baldacci veio a Ubatuba com uma comitiva. Vários carros pretos oficiais e os da Polícia Rodoviária Estadual. Basílio se negou a participar da inauguração da obra. O Odair Rofino me telefona informando da decisão do Basílio e pedindo que eu, como presidente da Câmara, participasse da inauguração. Baldacci mandou estacionar os carros sobre a ponte de forma a mostrar que uma pista só com duas mãos era de fato suficiente. Eu fiz o discurso inaugural. Passei, em seguida, a palavra ao vice-prefeito, e o Secretário encerrou a solenidade. A ponte tá lá até hoje, mas, me parece, ficou bem mais estreita, magrinha, precisando de outra pista. O Basílio tinha razão. Mas não era nada fácil convencer Baldacci, uma das mais experientes raposas da política que conheci. Basílio foi cidadão respeitável, um bom prefeito, um personagem importante da história de Ubatuba. Deixou-nos no último dia 15 deste mês. R.I.P.
Nota do Editor: Eduardo Antonio de Souza Netto [1952 - 2012], caiçara, prosador (nas horas vácuas) de Ubatuba, para Ubatuba et orbi.
|