Julinho Mendes | |
Já dizia Fernando Pessoa, em seu poema: “navegar é preciso; viver não é preciso”. Para o caiçara, navegar era e ainda é mais do que viver. É a sua identidade, é a sua cultura, é a sua essência. Navegar é preciso! Mas não falo aqui de grande navegação, ou de navegação de grande porte, falo sim de navegação mais rudimentar, mais emocionante talvez e mais em carinho e em sentimento com o mar. Falo da navegação dentro de um pau só: “a canoa”, que navega na força dos braços, que maneja no traçado do remo; esse utensílio tão importante como a canoa. Na verdade, um não tem valor sem o outro. Até arrisco a dizer que a canoa é feita com dois paus: o do remo e o da canoa. A arte e a técnica de “esculturação” de um remo é tão igual ao de uma canoa. “Uma canoa não navega bem, se não tiver um bom remo”. Quem afirma essa frase é seu Zeca Moisés, caiçara do bairro do Prumirim, que com seus sessenta e seis anos de idade é um grande mestre na construção de remos para canoa caiçara. Ao vermos um remo, pensamos ser um simples objeto de navegação, mas nos enganamos, pois a cultura caiçara tem a sua ciência, sua sabedoria e dentro da etnologia matemática, usando de suas proporcionalidades, a arte de construção de uma canoa e de um remo, é matéria de estudos e pesquisas acadêmicas, que formam mestres e doutores em nossas universidades; e todos esses, buscam, em mestres como o seu Zeca, a sabedoria e os conhecimentos da cultura caiçara. - Meu filho, explica seu Zeca Moisés, veja quanto trabalho dá para fazer um remo: primeiro tem que esperar a lua certa; a minguante é a melhor para se cortar a madeira e melhor ainda é se for num mês ímpar. As melhores madeiras para remo são: o goacá, a capitinga, a caxeta do morro e o cubatã vermelho. Depois de cortada a madeira, espera a bicha descansar por cinco dias, para sair a água, a cica (seiva). Aí sim começamos o trabalho; lasca a madeira no meio (sentido longitudinal), para dar dois remos, e com um cipó ou uma linha, tiramos o eixo. Os primeiros cortes são feitos com o machado e com o facão, depois, com a enxó, a plaina de mão, o alegre, caco de vidro e lixa fina, faz todo o acabamento e perfeição no remo. Isso tudo leva uns três dias mais! Continua seu Zeca: - O remo tem duas partes: o cabo e a pá. A pá tem que ter 1/5 (um quinto) do comprimento do remo e sua largura, a metade desse 1/5. Pá de remo que não tem curva (concavidade), não vale nada; e a parte de dentro (parte côncava) tem que ter a quilha, para cortar a água, dar firmeza e segurança no remar. Não é fácil não, meu filho! Seu Zeca explica ainda que saber remar também é outra ciência, mas é mais fácil que fazer o remo, basta o cidadão ter persistência, observar os canoeiros e ter nos músculos dos braços muito caldo de gonguito, piragica, banana verde e farinha de mandioca. Além de remos, seu Zeca, ainda é artesão em canoa, pilão, gamela, colher de pau, coxo, peneiras e cestos de taquara, tipiti para prensa de mandioca ralada, balaios diversos, vassoura de timbopeva e outros artesanatos caiçaras. Na música caiçara, seu Zeca tem um grande papel: é mestre na dança de São Gonçalo e com seu pandeiro rufador participa do Fandango Caiçara, tocando xiba, tontinha, canoa, ciranda e outros ritmos de nossa cultura. Quem quiser conhecer seu Zeca Moisés e sua arte é só procurá-lo na rua Osório Antonio de Oliveira, 193 - Sertãozinho da Boa Esperança - à esquerda da capela de São Roque - bairro do Prumirim - Ubatuba - SP.
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