Julinho Mendes | |
É uma das praias mais bonitas de Ubatuba, uma praia de águas cristalinas e com um teor de sal mais acentuado do que as outras, suas areias são cantantes, seu sol tem mais calor, anima-se quem respira de suas brisas. É uma terapia caminhar de canto a canto. Suas ondas? Ah, suas ondas! Que digam os surfistas. Elas nascem para eles e morrem para o pescador na extensão do lagamá onde mariscam as tainhas nas noites frias do inverno. Existem muitas praias grandes em todo o litoral brasileiro e até mesmo em nossa Ubatuba, mas nenhuma é como a nossa praia Grande, que tem como vizinhas a Toninhas e o Tenório. Está para nascer um poeta para enfatizar o verde gudião de suas águas, o amarelo guaruçá de seu calor, o azul do lombo da tainha do teto sem fim e o branco farinha de suas areias. Está para nascer um pintor para retratar o branco de suas ondas explodindo no Baguari, que salpica ao fundo o verde da mata, o abricoeiro amarelado e a canoa azul apoitada no cardume de corvina. Não existe poema e não existe pintura para tão grandiosa obra de Deus. Há, porém, um perigo; o caiçara sabe!!! “Era um turista e trazia o filho pequeno. Chegara por volta das dez horas, trazia apetrechos de quem passaria o dia inteiro desfrutando da praia, do mar, do sol... Abriu o guarda-sol, estendeu a cadeira de praia, lambuzou o filho de protetor solar... Uma onda molhou-lhe os pés, teve que recolher as coisas, afastando mais para cima da praia. O mar não estava muito manso. Tava dando cabeçada, como diz meu pai, arrastando picaré no calão de terra, ou seja, o mar estava meio ressacado. O menino pegou a pranchinha de isopor e foi brincar no lagamá. - Paulinho, não vá no fundo! - Advertiu o pai. Lambuzou-se também de protetor solar, sentou-se na cadeira e abriu o jornal que comprara na banca e passou a ler as notícias. As notícias eram as mesmas, ou quase as mesmas que lia quando estava de terno e gravata atrás da escrivaninha de seu escritório: crimes, assaltos, alta do dólar, infração, câmbio, o futebol falido da seleção brasileira, enfim, coisas fatídicas que deveria esquecer, ainda mais em férias, num dia de sol, praia e mar. Lia compenetrado, não ouvia os rumores das pessoas, o anúncio do vendedor de camarão no espeto, o sorveteiro, o carrinho de milho verde e coco gelado, o chapeleiro, o ambulante carregando sua jangada de cangas, enfim, aquele horrível camelódromo, misturado com turistas, surfistas, peladeiros que hoje existem na praia Grande... Esqueceu do mundo... Virou a página que trazia notícias da Capital e deparou com a seguinte manchete: ’Raptos aumentam na Capital’. Seu coração palpitou, olhou para um lado, olhou para outro, para frente e para trás, e do menino só encontrou a prancha de isopor. Desesperado correu de um lado para o outro a procura do filho. Acionou os salvas-vidas, a Polícia Militar, o Corpo de Bombeiros... Noticiou em jornais o rapto do menino e daria tudo para ter o menino de volta. Quatro dias grudado no telefone esperando que os seqüestradores dessem notícias. Não comia e nem dormia, apenas chorava... O telefone tocou e do outro lado a notícia: ’Seu filho está morto, encontraram no mar, no costão da Ilhabela!’” Da beleza e do encanto, do poema e da pintura que a praia Grande nos presenteia, a praia Grande também tem seu grande perigo, um seqüestrador de homens, mulheres e principalmente de crianças, esse seqüestrador chama-se perau. Um buraco repentino e fundo, que não dá pé, formado pela arrebentação e força das marés. É um buraco que se forma bem no rasinho do mar, no terminar das ondas, no lagamá da beira da praia, onde as crianças brincam, onde os adultos andam com água pelos tornozelos e que de repente encontram-se com água pelo pescoço, sendo puxados pela correnteza que os leva para o fundo do mar. É uma força incrível, uma força indomável que suga o inocente, o desavisado e principalmente aquele que não sabe nadar. A praia Grande é assim e suas vizinhas também: a Toninhas e o Tenório, além de muitas outras praias de tombo que existem por aí. Este conto começa bonito e termina feio com a história do garoto seqüestrado pelo perau, pelo mar. Essa história é puramente verdadeira, assim como centenas de outras, de vítimas do perau das praias de tombo. Pensei muito em levar este conto ao público, temendo levar culpas ao pai do menino ou levar à uma terrível lembrança, mas por outro lado, talvez, venho alertar as pessoas e principalmente ao Corpo de Bombeiros, guarda-vidas da Polícia Militar, sobre o perigo do perau, que nessa época do ano se faz presente e constante. Já conversei com alguns guarda-vidas sobre o perigo e até com vereador para elaborar projeto de colocação de um cordão de isolamento, ou uma tralha com bóias salva-vidas e até um guarda salva-vidas que fique constantemente nos cantos das praias Grande e Tenório. Realmente, lá, são lugares fatais, para turistas desavisados que não sabem nadar. E não adianta falar que lá existe uma placa de advertência. Existe sim! Mas não é o bastante porque o turista não conhece o perigo do mar, a força da correnteza e a surpresa dos peraus.
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