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COLUNISTA
Julinho Mendes
08/12/2010 - 10h02
O peru que morreu no Natal
 
 

A Folia de Reis é uma festa natalina que se estende de dezembro até 6 de janeiro. Reproduz a viagem dos Reis Magos a Belém em busca do Menino Deus.

Os grupos musicados com seus violões, violas, cavaquinhos, bumbo, pandeiro, caixa e sanfona; fazem suas peregrinações de devoção às casas de religião católica.

Da década de setenta para baixo era comum e espontâneo a existência dos grupos de Folias de Reis que peregrinavam em todos bairros de Ubatuba. A região das praias Enseada e Perequê-Mirim, também tinha o seu grupo de folia que fazia suas peregrinações e visitações às casas pretendidas.

Mamãe me conta que no Perequê-Mirim a primeira casa a ser visitada pela folia, era a casa de seus avós Daniel Profeta e Florência Graça; católicos até debaixo d’água, faziam questão que a primeira e a última visitação dos Reis, fosse em sua casa; e assim acontecia todos os anos.

Vovô Daniel tinha um peruzinho, órfão de pai e mãe; criava o bichinho com todos cuidados e carinhos. Onde quer que fosse lá tava o peruzinho debaixo do braço, dentro de uma sacola ou até dentro do bolso do paletó. Naquele ano, vovô acompanhou a Folia de Reis carregando o peru a tiracolo, dentro de uma bissaca, nas peregrinações por todas as casas do bairro do Perequê-Mirim.

O Natal passou e a Reisada terminou no dia 6 de janeiro do novo ano que seguiu.

O peru do vovô cresceu, era um peruzão bonito e todo pomposo, devido os cuidados de vovô.

O ano passou normal, correndo como sempre, até que outro Natal se apontava e nova foliada se aproximava. Como sempre, a casa de vovô Daniel seria a primeira e a última a ser visitada.

Chegou o dia. Casa enfeitada, presépio armado e as mais diversas oferendas estavam na mesa para serem servidas aos foliões.

Já passava das quatro horas da tarde, a família Graça estava no anseio, a espera da folia. Enquanto vovô comia a fritela de vovó, vovó fazia carinho no peru de vovô que estava em seu colo. De repente o peru esticou o pescoço, vermelhou a cabeça, deu um pulo e saiu correndo feito doido. Sumiu!

- O que foi isso, Florência? O que você fez para o bicho? - Perguntou vovô.

- Não sei, Daniel! Estava acariciando o seu peru, de repente ele endureceu o pescoço e saiu correndo! - Respondeu vovó.

Não demorou, ouviram a batida do tambor e o toque da viola. Era a Folia de Reis que se aproximava. A folia entrou no quintal de vovô Daniel, com um componente diferente, naturalmente musicado. Era o peru que acompanhava, andando e grugrulejando, com os foliões.

- Tá vendo só, Daniel? Você, ano passado, não ensinou o peru a acompanhar a folia?

- Éééé Florência, o bicho não esqueceu!

A folia se apresentou na casa de vovô e saiu, e, junto saiu também o peru de vovô Daniel, acompanhando e cantando com os foliões. O peru de vovô Daniel foi a atração da peregrinação pelo bairro do Perequê-mirim. Era o peru quem fazia o tipe (terceira voz) no canto dos foliões. Foi um sucesso, até o último dia de folia.

Do Perequê-Mirim os foliões iam para o Saco da Ribeira e Lázaro. O último dia de folia, naquele ano, aconteceu no dia 24 de dezembro, véspera de Natal. Novamente a casa de vovô Daniel estava toda enfeitada, a mesa cheia e a ansiedade da despedida era maior ainda. A folia chegou e entrou como sempre, agora com o peru fazendo tipe, no repertório. As louvações foram feitas, foram feitas as oferendas, e no final, o cântico de despedia; um cântico que no final vovô Daniel se viu confuso e duvidoso.

O canto de despedida foi assim:

Vamos dar a despedida / Que o Menino Deus mandou / Para o dono desta casa / Que ele é merecedor.

Vamos pedir à Mãe Maria / E seu Filho Redentor / Para abençoar esta família / Dar a ela a paz e o amor.

Nosso Rei já vai-se embora / Com prazer e alegria / Mas promete no presépio / De voltar em outro dia.

Esses versos todos vovô Daniel sabia de cor e salteado, mas apareceu no final um novo verso, cantado por Mané Paru, que deixou vovô em papos de aranha, confuso e atordoado. Foi assim:

Nosso Rei já vai-se embora / Vai levando o peru / Pra servir na Santa Ceia / No prato do Paru.

Vovô Daniel ouvindo o pedido de Mané Paru e sabendo de suas intenções com o seu peru, não perdeu tempo e pregou um outro verso, rebatendo o verso do Mané Paru:

Agradeço Santo Rei / Obrigado seu Paru / Te dou paca e tatu / Mas não dou o meu peru.

A folia se despediu e saiu sem o peru. O peru foi preso no galinheiro e lá ficou cantando, fazendo o tipe sozinho. Cantou e cantarolou até a virada do dia; depois cessou. A Santa Ceia de fez até a uma hora da manhã, depois todos foram dormir.

O dia amanheceu estranho, sem o cantar do galo, sem os cacarejos das galinhas, sem os grasnar dos gansos e sem o grugrulejo do peru.

Daniel acordou e correu ao galinheiro... Foi o Natal mais triste de sua vida... Seu peru estava morto.

Não se deve negar os pedidos feitos nos versos dos cânticos das Folias de Reis e do Divino, pois estes pedidos são para ofertar o Menino Deus e o Divino Espírito Santo. É uma grande ofensa e um grande pecado, negar esses pedidos, de forma que se vier acontecer, os donos da casa são castigados.

*

Este foi um verídico caso acontecido com Daniel Profeta e Florência Graça, no bairro do Perequê-Mirim, contado pela minha mãe Alcina Graça Pereira Mendes.

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