Luiz Moura | |
A Folia de Reis é uma festa natalina, tradicional no Brasil, que acontece aqui em Ubatuba entre 22 de dezembro e 6 de janeiro. Reproduz a viagem dos Reis Magos a Belém em busca do Menino Deus. Os grupos musicados com seus violões, violas, rabeca, cavaquinho, pandeiro, bumbo, caixa e sanfona, fazem suas peregrinações de devoção às casas de religião católica. Era eu criança e recordo com grande intensidade das Folias de Reis. Lembro-me das cantorias, do som das violas, da batida do pandeiro e do som engraçado que tanto a rabeca como o tamborzinho faziam... que a criançada zombava dos foliões dizendo que lá vinham os papa-pão e comedores de farinha de milho. A RABECA emitia um som agudo que parecia estar pedindo CAFÉ COM FARINHA DE MILHO e o som grave do TAMBOR respondia que queria CAFÉ COM PÃO; então a súplica da rabeca e do tambor ficava assim: “QUERO CAFÉ COM FARINHA DE MILHO; QUERO COM PÃO, COM PÃO, COM PÃO”. Esta história de CAFÉ COM PÃO me fez tomar uma surra que nunca mais esqueci. Vou lhes contar: Criança é bicho que muitas vezes faz coisas inocentemente e na brincadeira; então reunimos a turminha e decidimos formar uma Folia de Reis, e assim fizemos. Arrumamos um ramalhete de flor de ciosa amarrado num pedaço de taquara, que era o esplendor dos reis; de um latão redondo de querosene tiramos os dois tampos e colocamos numa das extremidades um pedaço de plástico amarrado com elástico, formando assim um tamborzinho, que tinha um som perfeito. Faltava a cantiga, mas não foi difícil fazer; como a rebeca parecia que falava “quero café com farinha de milho” e o tambor falava “com pão, com pão, com pão”; a cantiga ficou assim: Dona Maria eu vim lhe pedir / Dona Maria eu vim lhe pedir. / Pois diga lá o queres pedir / Pois diga lá o queres pedir. / Quero café com farinha de milho / Quero café com farinha de milho / Quero com pão, com pão, com pão. // Pois seu mané o que mais você qué / Pois seu mané o que mais você qué / Bolacha doce, biscoito e café / Bolacha doce, biscoito e café. / Então tá bom, tabom, tabom / Então tá bom, tabom, bombom... Saímos pela vizinhança brincando, cantarolando e satirizando a Folia de Reis... Mamãe foi avisada da brincadeira de mau gosto que fazíamos, então só esperou que a “folia” passasse em frente de casa; aí foi a hora. A psicologia que verdadeiramente funcionava naquela época era o relho, o chinelo ou o cinto do papai. Mamãe, com toda a sua religiosidade, não perdoou a nossa brincadeira e quem cantou foi o relho que ardia na minha bunda. Nunca mais brincamos com coisa séria, coisa de religião e aprendemos a respeitar a cultura popular. Era dia da folia visitar as casas da rua Cunhambebe. A primeira casa em que passava era a casa de vovó Malvina, que era católica até de baixo d’água, depois passava na casa do seu Cristóvão, Zezinho da padaria, seu Porfirio, dona Belinha, Ximinguinho, passava na minha casa e seguia para o final da rua, passando na casa de Toninho Marques e indo acabar na casa do Boca-rica. A rua não era iluminada e começando a escurecer, os foliões, já prevenidos, acendiam seus fifós, que eram tochas de fogo feitos com gomos de bambu e óleo de nogueira ou até mesmo querosene que iluminavam o caminhar da procissão. Não existia televisão, videogame ou coisa parecida e a criatividade da criançada era fértil e uma das brincadeiras em dia de folia era a de pegar vaga-lumes, colocá-los numa garrafa branca para ajudar a iluminar o caminho da folia; aí sim, a rua ficava que era um clarão só, parecendo dia. Como era divertida e sadia as brincadeiras daquele tempo! Hoje em dia, se perguntar para as crianças sobre Folia de Reis, elas irão responder que é algum jogo de videogame. Se perguntar sobre vaga-lumes, irão responder que é algum personagem da turma do Pokémon. É isso aí: preservar, divulgar e incentivar a cultura popular, é dever de todos. O grupo cultural O Guaruçá - folclórico alegórico, já está preparado para, mais uma temporada, foliar na peregrinação dos três Reis Magos. Vamos nessa, pessoal!
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