As içás, com suas bundinhas exibidas, criavam asas e cobriam o céu em vôos desordenados. Os pardais e as andorinhas, enlouquecidos com o banquete, concorriam com a criançada pelas ruas da cidade nessa divertida caçada. As cigarras, em coral, enchiam, com seus trinados, as tardes ensolaradas. Era o verão que chegava... Lembro-me de que havia mansidão e harmonia naquele mundo. No verão, depois do almoço - em que comera um feijão insuperável, feito no fogão à lenha, de cujo tempero, quando começava a dourar, de vez em quando, até hoje, sinto-o no ar, vindo não sei de onde - deitava-me ao lado de minha avó, numa esteira de taboa, para lhe ouvir histórias, até que um de nós adormecesse. O silêncio era cortado somente pelo vento nas folhas das bananeiras, pelas cigarras onipresentes, pelo cacarejar de pós-parto das galinhas no terreiro, e pelo ressonar dos que faziam a sesta. A brisa do oceano vinha, então, de mansinho, brincar nas folhas das avencas e nos acariciar numa daquelas tardes preguiçosas e encaloradas. Até o capeta dava um tempo, tirava uma madorninha no alto de um guapuruvu. Depois, acordávamos, nós, os netos, para brincar no terreiro, nas sombras das laranjeiras, até que o dia se findasse nas badaladas distantes dos sinos da igreja matriz, na hora do Ângelus. Ubatuba, então, ia adormecendo à luz dos lampiões, das lamparinas e do céu coalhado de estrelas. No oratório de minha avó, as santas e os santos, sob a presidência de Nosso Senhor, impávidos, haviam observado tudo e deliberariam que aqueles momentos seriam meus por toda a eternidade.
Nota do Editor: Eduardo Antonio de Souza Netto [1952 - 2012], caiçara, prosador (nas horas vácuas) de Ubatuba, para Ubatuba et orbi.
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