Ubatuba pode ter mais uma cidade-irmã: Bruzunduba, localizada no sopé da Serra Intertropical Sul, uma das mais badaladas cidades da República da Bruzundanga, cujo Pai da Pátria foi o ilustre escritor Lima Barreto. As duas cidades constataram que têm grandes semelhanças e decidiram intensificar troca de experiências, tanto na área administrativa como na turística. O prefeito reeleito de Bruzuntuba, Duda Kaiser (conhecido por "Hiper", apelido que lhe deu o bloco do Cordão dos Cada Vez Aumenta Mais), e que não é conhecido pelo atributo da modéstia, afirmou que Ubatuba e, de resto, o mundo, terão muito a aprender com suas ("experiências", mas cometeu ato falho) "estrepulias administrativas".

Na capital

Um jornal da capital registrou assim o encontro entre os prefeitos, sob o título "Bruzuntuba repassa a Ubatuba sua experiência":

"O encontro dos prefeitos visa a consolidar a condição de "Cidades Irmãs" entre Ubatuba e Bruzuntuba. O foco do encontro foi a decisão do Governo, dois anos atrás, de construir um Hospital Regional no Litoral Norte do Sul da Bruzundanga.

O Hospital será construído na Marandanga, conforme decisão anunciada há dois anos no Palácio do Gibão de Couro pelo governador Alquieu Minto. O governador, ao fazer o anúncio, estava acompanhado dos prefeitos de Bruzuntuba, Carandantatuba, Sebadanga e Ilhapulchra. Além do Hospital, o governador anunciou a duplicação da rodovia Mário Serevirandonacova, que liga esses municípios, e da Rodovia dos Tamuia, que faz a ligação com o Vale do Rio Imprestável.

A decisão resultou de um consenso costurado graças à intervenção dos deputados Gil Ardedepois e Fernando Ibn Amin (conhecido jurista), que procuraram conciliar os interesses conflitantes das quatro cidades. Carandantatuba reivindicava para si o Hospital Regional, sob o argumento de que é a cidade no meio do caminho, entre Bruzuntuba e Sebadanga-Ilhapulchra, enquanto que estas duas argumentaram que as demandas causadas pelo porto e terminal petrolífero, bem como a grande população ao sul dessas cidades, justificariam a presença do Hospital em sua costa. Sebadanga citou que já perdeu a sede do Batalhão da Milícia do Gibão de Couro para Carandantatuba. Todas as cidades argumentaram que o Partido da Ave Bicuda teve maciça votação no Litoral Norte, e que as populações exigem a contrapartida, com investimentos do Estado na Região.

Num inusitado rasgo de desprendimento, o prefeito Kaiser "Hiper" desistiu de reivindicar para a sede do Município, na congestionada região central da cidade, a construção do novo hospital. Reconheceu que o movimento pela secessão da Marandanga teve influência em sua decisão, já que aquela parte sul do município, mais próxima de Carandantuba do que de Bruzuntuba, é das mais desassistidas pelo Poder Público. Mas, questionado pelos repórteres da capital, concedeu que, se não concordasse com a localização do hospital na Marandanga, não haveria como justificar um órgão regional de saúde na ponta norte do Litoral Norte.

A decisão da duplicação das rodovias foi consequência de um conjunto de fatores, inclusive o próprio Hospital Regional. Na temporada, o fluxo de turistas é muito intenso, causando congestionamentos e muita demora no tráfego entre uma cidade e outra e, mesmo, entre os vários bairros de todos os municípios.

O governador Alquieu Minto esclareceu que é da política de seu governo, de seu partido, e absolutamente inevitável, inegociável, a instalação de praças de pedágio nas rodovias duplicadas.

A localização das praças de pedágio foi outro ponto que necessitou da mediação dos parlamentares. O acordo que foi fechado garante um pedágio em Bruzuntuba, um em Carandanga e outro em Sebadanga. O prefeito de Bruzuntuba posicionou-se inicialmente contra os pedágios, mas foi depois informado de que em torno de 5% de sua receita converte-se em ISS para os Municípios. Cada Município decide sua alíquota e recebe proporcionalmente à quilometragem das rodovias pedagiadas em sua área. O ISS incide sobre a arrecadação do pedágio, mas também sobre os serviços prestados pelas concessionárias, tais como obras (de construção, recapeamento, manutenção, por exemplo) e serviços (atendimento ao usuário por guincho, resgate, UTI móvel). Os prefeitos tornaram-se, então, entusiastas dos pedágios.

Com a finalidade de evitar que os munícipes sejam obrigados ao pagamento do pedágio, para circularem entre um bairro e outro da mesma cidade, decidiu-se pela implantação das praças em locais estratégicos: em Bruzuntuba, será logo depois do acesso ao bairro Itaguanga. Assim, o tráfego dos munícipes pode ocorrer pelo Itaguanga, entre a Praia Enorme e o centro, desviando-se do pedágio.

A praça de Carandantatuba será instalada logo antes do portal de acesso a Bruzuntuba, garantindo que seus munícipes, ao trafegar entre os bairros, também não precisem pagar pedágio. De igual forma, a praça de Sebadanga será instalada a 200 metros da divisa com Carandantatuba. Ilhapulchra não terá nenhum repasse de ISS dos pedágios, mas, como compensação, a Travessias Litorâneas SA (ex SubDesenvolvimento Rodoviário SA) resolveu transferir para Ilhapulchra a administração das balsas, num acordo pelo qual Sebadanga abriu mão de sua parte do ISS na operação desse sistema. Assim, a ilha receberá integralmente o ISS gerado pelas balsas da Travessias Litorâneas SA. Mas, no bojo do acordo, o Município ilhéu decidiu também isentar da taxa de preservação os veículos com placas de Sebadanga.

Após o anúncio das grandes obras, as autoridades comemoraram o ato comendo uma enorme pizza."

Em Bruzuntuba

A rádio local, lastimando não poder publicar foto, registrou o encontro. O locutor leu o mesmo texto de um jornal local de Bruzuntuba, o qual, por sua vez, relatou o encontro reproduzindo release da Prefeitura, incluindo uma foto do prefeito muito sorridente, e sob o título "Duda Kaiser ensina como conseguir um Hospital Regional":

"O prefeito Duda Kaiser conseguiu para Bruzuntuba o Hospital Regional do Litoral Norte. Graças aos seus contatos com o governador Alquieu Minto e com o deputado Gil Ardedepois, o Hospital Regional será construído aqui, apesar de outros três municípios disputarem a obra. O feito, de repercussão nacional, motivou o prefeito de Ubatuba a vir conhecer os caminhos para conseguir vitórias políticas e se tornar "Cidade afilhada". Além disso, o prefeito "Hiper" conseguiu a duplicação de duas rodovias, que beneficiarão toda a região, mas especialmente Bruzuntuba. O prefeito Kaiser citou que um dos maiores benefícios será a implantação das praças de pedágio, que aumentarão significativamente as receitas municipais, pelo ISS gerado. E esclareceu que nenhum bruzundunbense precisará pagar pedágio. "A cidade líder da região tem que ensinar ao mundo suas experiências administrativas", disse Kaiser."

As conquistas do prefeito repercutiram na Câmara Municipal de Bruzuntuba, que, exercendo suas altas funções, aprovou, "pela unanimidade dos senhores vereadores", nove moções de Congratulações ao prefeito e um projeto de Decreto Legislativo, concedendo a Duda Kaiser o título de "Cidadão Bruzundunbense-Símbolo". Um projeto de lei, assinado "pela unanimidade dos senhores vereadores", também foi aprovado, determinando a colocação de uma estátua de bronze de corpo inteiro do prefeito Kaiser, com seu grande sorriso, na praça principal. Mas, muito consternado, o prefeito "Hiper" precisou vetar o projeto, porque a Câmara não tem competência para propor obras que resultem em aumento de despesa. O veto foi acolhido "pela unanimidade dos senhores vereadores".

O prefeito visitante louvou a unanimidade da gratidão da cidade ao prefeito "Hiper", citando as notícias favoráveis da mídia local, segundo a qual Kaiser deveria ser prefeito vitalício. E indagou por que não se candidatava à re-reeleição. "Hiper" respondeu que, apesar de seus contatos no Parlamento Nacional de Bruzundanga, não proporá lei permitindo um terceiro mandato, pois preza a democracia, mas também a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa."

Atualização

Hoje, dois anos depois, como as obras anunciadas não tiveram início, os prefeitos continuam comendo a enorme pizza. E o povo continua votando no Partido do Bico Grande e no seu associado, o Partido dos Demônios da Maresia ("Joga as cascas pra cá, joga as cascas pra cá..."), indicados pela situação e pela "oposição". A propósito, o Cordão dos Cada Vez Aumenta Mais continua aumentando: não há nenhum bloco que se lhe contraponha. Exceto no carnaval, quando o embate às vezes vai para as páginas policiais. O Cordão já tem o refrão de sua marchinha para este ano, escrito por Duda Kaiser, que é também um marqueteiro de renome:

"Eu bebo sim, estou vivendo.
Eu minto sim, estou eleito.
Tem gente que não mente e está perdendo,
Eu minto sim.
Verdade faz mal à saúde..."

Advertência

Este é um triste texto de ficção, ambientado num futuro próximo, pouco mais de dois anos à frente. Qualquer semelhança com a realidade oxalá não fosse mera coincidência.