Siamo tutti oriundi, tutti buona gente. Ma no, non siamo tutti buona gente Passei minha infância e a juventude no interior caipira de São Paulo, ouvindo o linguajar típico da letra erre como em "porrta", jamais rascante, mas meio indolente. E também uma forma peculiar do erre no início de palavras como "reto", como em "segue reto". Não o rascante "rrrreto", mas o suave "ãreto", um ere que começa gutural e termina com a ponta da língua tocando a base dos dentes incisivos superiores. Quem quer que já tenha ouvido um oriundi do Brás saberá o que tento (e não consigo) descrever com palavras escritas. Eram comunidades de brasileiros trabalhadores, a maioria bem pobres, descendentes principalmente de italianos, mas também de portugueses e espanhóis, além dos muitos afrodescendentes. Era comum ouvir a expressão tradicional "Siamo tutti oriundi, tutti buona gente", vinda de quem tinha sobrenomes como Moretti, Caprara, Capusso, Caputo, Malatesta, Mangiacapra, Mazzaroppi, Matarazzo, Agnelo, Scipio, Scipione, Guido, Guidon, e muitos outros. Cresci convicto de que os italianos eram boa gente, como era boa gente la mia nonna Giuseppa, ativa, forte, atenta e muito afetuosa. Agora na velhice, mantenho essa convicção. Mas percebo que entre nós, oriundi, nem todos somos boa gente. É uma pancada forte na boca do estômago ouvir o sobrenome italiano mais falado atualmente, Bolsonaro. No, non siamo tutti buona gente. Autoritário e sanguinário, o criador do fascismo, Benito Mussolini, não era boa gente. Nenhum capo de nenhuma famiglia da Máfia rural siciliana, do tipo que gosta de apelar para a violência no convívio social, nenhum é boa gente. Nenhum dos membros da urbana Camorra, que não tem capi, é boa gente, porque gostam de resolver pendências na bala e explodindo bombas, em banheiros mas também em juízes. Non siamo tutti buona gente. Bolsonaros, os três da política, não são boa gente, ao apelarem para discursos e gestos fascistas, violentos, autoritários. Seja querendo explodir bombas para reivindicar melhores soldos, seja querendo usar cabo e soldado para fechar o Supremo Tribunal Federal, seja com a intolerância que mostram ter com as minorias. E com as mulheres em geral, as mulheres que todas nascem de "fraquejadas" do macho. Não, la mia nonna Giuseppa, que com saudade relembro nosso mútuo e suave afeto, não foi resultado de uma fraquejada, e saberia dizer hoje, com toda a firmeza, que Bolsonaro buona gente non é. Tempos tristes, estes, dos quais foi poupada pela morte, aos quase cem anos, la mia nonna, ela sim, das que podiam dizer com orgulho "siamo tutti oriundi, tutti buona gente". Elcio Machado, de mãe e avó Capusso.
Nota do Editor: Elcio Machado (cidadania.e@gmail.com), 60, batizado como Elciobebe, sob as bênçãos e maldições de Cunhambebe, caiçara em construção. Mantém o blog Exercícios de Cidadania (cidadania-e.blogspot.com). Permitida a reprodução, desde que citados a fonte e o endereço eletrônico original.
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