Julinho Mendes | |
Um dia, Eduardo Antônio de Souza Netto, como secretário de Administração da época, me ofereceu um emprego na Prefeitura de Ubatuba. Auxiliar (braçal), na Seção de Topografia. Já com experiência em balizamento, vante e ré, em alguns trabalhos com o saudoso topógrafo Epaminondas Monteiro, conhecido como professor Nondas, não pensei duas vezes e abracei o serviço. No primeiro dia de trabalho fui apresentado a pessoa que seria o meu chefe, um japonês que se apresentou com o nome de Nelson Ishida, topógrafo e chefe da Seção de Topografia e também aos demais da equipe, o nivelador Suka e outros dois auxiliares, Maurício e Zezinho do Matarazzo. Graças ao amigo Eduardo Souza que me deu uma oportunidade, graças ao Nelson Ishida que me ensinou, eu me apaixonei e segui a profissão. Toda vez que vejo um pé de almeirão, lembro do Nelson Ishida, pois em sua casa, no Perequê-Açú, cultivava tal verdura e, diga-se de passagem, almeirões que só mesmo nas mãos de um japonês para serem tão vistosos. Mas que nada, Nelson me falava que os seus almeirões nasciam à toa em seu quintal. A razão dessa verdura “nascer à toa” é que após a florada, as sementes, envoltas por uma espécie de plumagem, esvoaçam ao sabor de qualquer ventinho; e voam longe. Diante disso, Nelson se vangloriava de ser um grande cultivador de almeirão e brincava com um verso, que não sei se é refrão de alguma música, ou se foi por ele inventado, que dizia assim: “Plantando dá, mas eu não planto não, pois eu sou malandro, sou de tradição.” Nelson Ishida, embora de descendência japonesa, e acredito que natural de Santos (SP), pela simplicidade e trejeitos, é um típico caiçara. Até pouco tempo viveu num rancho de canoas na beira da praia da Barra Seca, comendo peixe pescado com seu picarezinho ou então ganho de algum pescador local; comia peixe com farinha e mandava uns goles de cachaça pro peito. É uma pessoa fantástica e de coração gigante. Hoje mora com alguns de seus irmãos na cidade de Santos. O pé de almeirão ilustrado acima é de meu quintal, e, como tal, também não plantei; são vários pés que todos os anos nascem, florescem e semeiam-se sozinhos pelo quintal. Ficam vistosos também, pelo esterco e lixo orgânico que jogo nos canteiro. É uma verdura da família da alface, tem um suave amargo que lhe é peculiar e por isso também é chamado de almeirão amargo e ainda almeirão selvagem. Suas virtudes medicinais atuam como estimulante do apetite, diurético e principalmente hepatoprotetor (pra falar difícil). O almeirão além de tudo é uma planta que atrai um passarinho, hoje não mais comum em nossa terra, mas que aparecem quando a planta começa a soltar suas sementes. São os pintassilgos que adoram as sementes do almeirão e que descem em bandos para apreciá-las; isso acontece em meados de novembro pra diante. Faço aqui um convite ao amigo Carlos Rizzo, com seus binóculos especiais, a fazer a observação dos pintassilgos em meu quintal. E como uma coisa puxa a outra, lembro que meu tio avô Rodolfo Ignácio Pereira, que era grande criador de passarinhos, cruzava pintassilgo com canário belga, resultando assim o pintagol, ou pintalgo. Pois é, minha gente, enquanto a política local não nos dá inspiração, quando já nos acostumamos com as semanais moções em nossa Câmara Municipal, enquanto não acontece outro caso de corrupção... vamos, na saudade, lembrando de pessoas queridas, verduras que voam, passarinhos que reaparecem. Essa é também uma das funções da revista eletrônica O Guaruçá, a de levantar as histórias, os causos, os fatos, os costumes, os personagens da cultura dessa terra ubatubana e de outras caiçaradas também.
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