Dos seis vereadores afastados que reassumiram seus cargos por decisão judicial, quatro se manifestaram na sessão de terça-feira da Câmara Municipal, declarando-se inocentes das acusações de interferência indevida na eleição do Conselho Tutelar. E, deslocando, em parte, o foco de defesa e de explicações, três desses vereadores criticaram o presidente da OAB local, o advogado Thiago Penha de Carvalho Ferreira, por ter manifestado pela imprensa opinião de que o Legislativo deveria realizar nova eleição da Mesa Diretora, independentemente dos resultados jurídicos relativos ao processo que resultou no afastamento liminar de três, e depois, mais três vereadores. A Câmara de Ubatuba decidiu antecipar para julho passado a eleição para composição da Mesa que dirigirá o Legislativo a partir de 1º de janeiro de 2011 e até 31 de dezembro de 2012. A argumentação foi a de que no período das eleições gerais seria mais difícil realizar a votação. Na época da manifestação do advogado, estavam afastados os eleitos presidente e primeiro vice-presidente, bem como o 1º secretário. Acostumado com o princípio do contraditório, próprio da seara judicial, o advogado Thiago Penha de Carvalho Ferreira, presidente da OAB Ubatuba, citado criticamente por vereadores, incidiu em equívoco, ao pretender utilizar-se da tribuna da Câmara Municipal durante a sessão ordinária do dia 31 de agosto de 2010. É que o recinto do plenário e o uso da tribuna, durante as sessões ordinárias, são privativos de quem tem mandato popular legislativo em nosso Município, vale dizer, os vereadores (e, quando for o caso, suplentes) regularmente eleitos, diplomados e empossados. Há apenas duas exceções, com ritos próprios. O primeiro deles é o do parágrafo 2º do artigo 96 do Regimento Interno da Câmara, que autoriza o presidente da Mesa a convidar autoridades públicas federais, estaduais e municipais e personalidades homenageadas (além de representantes credenciados da imprensa e do rádio). Mas esses convidados só poderão falar se for "para agradecer a saudação que lhes for feita pelo Legislativo" (grifo nosso), diz o parágrafo 3º. A outra exceção é a Tribuna Popular, no formato instituído pela Resolução nº (ilegível, no indecente Regimento Interno "provisório" disponível no portal da Câmara), de 29 de março de 2001. Mas, alto lá! O presidente da OAB local não poderia ter usado a Tribuna Popular? Poderia, caso tivesse feito sua inscrição até o final do Expediente. Até que tentou, mas foi-lhe negado o direito. É que, na seara política, da qual pouca prática tem o advogado, quando convém ao primeiro intérprete do regimento, o presidente da Casa, a interpretação pode ser literal, a ferro e a fogo: encerrado o Expediente, não mais pode acontecer inscrição para a Tribuna Popular. Aconteceu assim: O presidente, Ricardo Cortes, ao final do último pronunciamento no Expediente: "Nada mais havendo a tratar no Expediente, está reaberta a sessão." O advogado Thiago Ferreira se manifesta do auditório, pedindo o direito de se pronunciar. A resposta do presidente: "O sr... A manifestação é da Câmara. Então, em outra oportunidade." O vereador Rogério Frediani: "Pode abrir a palavra pra ele." A incisiva resposta de Cortes: "Não. Não está inscrito." O vereador Frediani, com sorriso de troça: "Aí é regimento..." Risos, no Plenário e no auditório, em achincalhe ao hostilizado advogado. O vereador Frediani requereu, então, o adiamento em bloco da pauta do dia, por uma sessão, requerimento imediatamente votado e aprovado por unanimidade. Ato contínuo, o presidente declarou encerrada a sessão, com o quê se perdeu, por uma semana, o que de mais importante tinham os vereadores a fazer, que era legislar, votar, cumprir a pauta da Ordem do Dia. Incide o presidente da Câmara, o médico Ricardo Cortes, em reiterado equívoco ao declarar "reaberta" a sessão após o Expediente (a sessão, reza o art. 97, compõe-se de duas partes, Expediente e Ordem do Dia, e tem uma terceira, porque (com o perdão da má palavra) o rebosteio que é o Regimento Interno da Câmara, introduz, sem explicitar, uma terceira parte, que são as Explicações Pessoais, o que se observa à luz do parágrafo 1º do art. 105). Mas fato é que, "reaberta" a sessão, sem jamais ter sido suspensa, a parte seguinte é a Ordem do Dia, momento impossível para inscrição na Tribuna Popular. As Tribunas Livres, Tribunas Populares e quetais, foram introduzidas quando da redemocratização do Brasil, que acabou com a ditadura instaurada em 1964. Foi uma febre, que contagiou legislativos municipais em todo o país, com maior ou menor grau de percepção do que significa o exercício direto do Poder (que todo o poder emana do povo) pelo povo. Em tempos de abertura ampla, geral e irrestrita, a maioria das Tribunas Populares era tudo isso, levando a evidentes exageros, porque colocava na tribuna qualquer um do povo, mesmo que tivesse representatividade nula. Amadurecida a ideia, os Legislativos municipais cuidaram de se adaptar. O de Araraquara, a título de exemplo, disciplinou a matéria exigindo representatividade mínima, 30 assinaturas para inscrição do orador, ou comprovação de que representava entidade legalmente constituída. O de Assis exige que o orador seja eleitor no município. O que, parece, foi uma lógica seguida desde o princípio, e não foi diferente em Ubatuba, é a de que agentes políticos e autoridades constituídas não podem se utilizar da Tribuna Popular, porque, em função do tipo de representatividade, não poderiam falar como simples cidadãos, mas sim, de alguma forma, como investidos de algum tipo poder. Apesar da ressalva da tal resolução que instituiu o art. 105A no RI da Câmara de Ubatuba, ainda recentemente o secretário municipal da Educação foi ao Legislativo local, acompanhado de grande número de diretores de escolas, e usou a tribuna para um passa-moleque no vereador que ousou fazer críticas à sua pasta. Se algum sentido faz que qualquer pessoa se inscreva de última hora, durante o Expediente da sessão, é que, citado por qualquer vereador, tenha como se defender. Foi o caso, quanto ao presidente da OAB, alvo da declaração de repúdio do vereador eleito presidente da Mesa. E, no entanto, não conseguiu falar, emitindo, depois, uma nota, na qual reitera que as observações foram de caráter técnico-jurídico. No entanto, foram de caráter eminentemente político, o que não é vedado à OAB, mas então devem ser interpretadas em seu real contexto. Um registro necessário: o vereador Frediani ofereceu ao advogado Thiago um exemplar do Regimento Interno da Câmara de Ubatuba. Deve ser algum outro, mais decente do que o "provisório" de 2007, disponível no portal da Câmara. Se for algum outro, definitivo, também gostaria de obter uma cópia.
Nota do Editor: Elcio Machado (cidadania.e@gmail.com), 60, batizado como Elciobebe, sob as bênçãos e maldições de Cunhambebe, caiçara em construção. Mantém o blog Exercícios de Cidadania (cidadania-e.blogspot.com). Permitida a reprodução, desde que citados a fonte e o endereço eletrônico original.
|