16/12/2001 - A jaca é ainda a fruta que ela mais gosta. Experimentou pela primeira vez em 1919, aos nove anos de idade, quando chegou ao Brasil. Era uma fruta que nunca tinha visto, achava muito estranha, parecia bucho de boi: toda deformada, cheia de ondulações e totalmente espinhosa. Achava engraçado o fato de seus lábios grudarem com a cica da jaca. Sempre foi sua fruta preferida... Aprendeu fazer os mais diversos doces com os favos da jaca: fazia bolos, tortas, caldas, pavês, sucos e vitaminas. As castanhas natalinas eram substituídas pelos caroços da jaca, que depois de lambuzado na banha de porco e sal eram torrados na chapa do fogão de lenha. Lógico! Como grande apreciadora de jaca, dona Hedwig, não poderia deixar de ter em seu quintal um pé de jaca; e foi nesse pé de jaca que certo dia apareceu um passarinho que ela nunca tinha visto, do tamanho de um sanhaço e totalmente colorido. Gostava dos passarinhos e nunca, jamais, pensava prende-los em gaiola. Mas aquele passarinho multicor e cantador despertou a vontade de tê-lo preso em uma gaiolinha. Resolveu então capturar o bichinho. Mas como? Lembrou então da jaca. Sim da jaca! Cortou uma jaca verde e enrolou toda sua cica numa varinha de bambu, fazendo assim, o que a criançada chamava de visgo. Na ponta da vara, dona Hedwig, colocou uma banana madura e dependurou num dos galhos da jaqueira... Não deu outra, o passarinho atraído pela banana, pousou na vara e ficou preso pelos pés por causa da cica grudenta da jaca. Era um gaturamo, um passarinho muito bonito e cantador. Na gaiola o passarinho perdeu seu brilho, seu cantar e ficou completamente jururu. A tristeza do passarinho entristeceu dona Hedwig, que o soltou ao amanhecer do outro dia. No Saco da Ribeira, na casa de Ana Graça, tinha uma jaqueira muito especial, que dava jaca sem cica e com favos de mel, doce e suculenta, que realmente parecia ter mel em seus favos. Ana Graça dizia que aquelas jacas eram doces e suculentas devido uma colméia de arapuás (abelhas pretas) que fizeram moradia no tronco da jaqueira; elas transformavam a cica da jaqueira em jaca com favos de mel. Foi da jaca de Ana Graça, que dona Hedwig chupou até o engaço, de tão gostosa que tava. Não deu outra! Separou umas sementes para plantar. Das sementes que plantou, apenas uma brotou. Nessa época dona Hedwig tinha 62 anos e falou que a primeira jaca que nascesse seria inteiramente sua e que seria ela própria a tirar-lhe do pé, estivesse no baixo, estivesse no alto. Passaram-se dias, passaram-se anos. Duas décadas depois nascera a primeira flor, a primeira jaca. Dona Hedwig, já com seus 82 anos de idade, passou a vigiar o desenvolvimento daquele pequenino fruto; outros, em galhos mais afastados nasceram também, mas a primeira era dela. Em três meses a jaca estava no ponto, começou amarelar. Aquela jaca era a primeira, filha da jaqueira de Ana Graça do Saco da Ribeira. “– Amanhã eu como ela!”, pensou dona Hedwig. Dormiu e sonhou com a jaca. O sonho foi esquisito: “A jaca estava no tronco junto ao chão, quando colocava a mão, a jaca pulava para o galho de cima, foi seguindo a jaca até as nuvens. Sobre as nuvens encontrou um castelo; era o castelo do gigante com cara de jaca que tinha uma jaqueira com jacas de ouro. Pegou uma das jacas de ouro e foi saindo quando de repente foi atingida por um caroço de jaca soprada pelo gigante com cara jaca. Caiu lá de cima das nuvens...” Acordou com o cheiro de jaca madura. “– Você será o meu café da manhã!”, falou dona Hedwig para a jaca. Pegou uma escada de nove degraus e subiu até a jaca. Imaginem uma senhora de 82 anos de idade trepando num pé de jaca? Subiu e alcançou a danada que já estava saindo do engaço. Quando lhe colocou as mãos veio o susto. A jaca se soltou e dona Hedwig despencou com jaca e tudo lá de cima, numa altura de cinco metros mais ou menos. Espatifou: jaca e Hedwig. Estavam lá dois corpos estendidos no chão; de um lado a jaca e de outro dona Edwidg, com seus 82 anos. Foi um corre-corre danado. Desacordada dona Hedwig foi levada pelo carro resgate da Polícia Militar para a Santa Casa. O médico de plantão era o Dr. Teófilo, que completamente sensibilizado e prestativo, fez os mais diversos tipos de exames. Ao examinar as chapa de raios-X, Dr. Teófilo se surpreendeu com o resultado dos exames: dona Hedwig não apresentava qualquer tipo de fratura e nem sequer um arranhão. No quarto do hospital, juntamente com a filha Marta e o Zezinho, dona Hedwig aguarda a liberação do médico. Dr. Teófilo chega todo contente e fala: - Dona Hedwig, a senhora não quebrou nenhum osso do corpo. - Isso eu já sei doutor, pois não estou sentindo nada. Eu fui criada com leite e queijo de cabra e comi muita jaca. Os meus ossos são mais duros que cerne de jaqueira. - Éééééé dona Hedwig, a senhora é muito forte! Deixe eu te ajudar a sair da maca! - Não ponha a mão em mim doutor! Pra quem sobe e desce de uma jaqueira, não precisa de ajuda pra descer de uma cama dessas! Deu um pulo e já estava de pé. Foi uma hilariante cena acontecida no leito do hospital, até o médico se desmanchou em risadas por causa da rebeldia e peraltice de dona Hedwig. Essa foi uma das passagens de vida de dona Hedwig Scharman, a alemã que veio para o Brasil com seus 9 anos de idade, filha de Teófilo e Wilhemina Scharman; casou-se com o caiçara Benedito Fernandes (Dito Manoela) e criaram seus filhos: Marta, Helena, Lídia, Benedito, José e Ary; dando-lhes educação, conforto e dignidade, e que fazem parte da cidade de Ubatuba, ajudando em sua história, crescimento e desenvolvimento. Fica aqui a minha homenagem à dona Hedwig e toda família Scharman.
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