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Era cação, robalo, arraia, sargo, piragica... Cangauá e maria-mole, nem se fala, enchia-se a sacola. Quando o mar não estava pra peixe, enchia-se o saco com grandes mariscos e guaiás, daqueles que com a casca dava pra tirar água do fundo da canoa... Nunca perdia a viagem, sempre trazia alguma misturinha pra comer. Desde a época do Rancho do Galo, do famoso pastel do falecido nego Laureano, lá no canto do Perequê-Açú; sempre pescamos no paredão da costeira entre a prainha do Matarazzo e o Perequê-Açú. Êh, tempo bom!!! Nosso divertimento sempre foi a pescaria e nunca perdemos esse costume. Nunca nos deixamos levar pela pescaria modernizada dos molinetes e apetrechos sofisticados; sempre pescamos com linhadas de mão, pois é muito mais prazeroso e de maior sensibilidade ferrar e puxar um peixe com a linha correndo nas mãos, do que com molinetes. 1999, ainda que pisando em bosta de farofeiro pelo caminho que nos leva ao pesqueiro, vamos naquele lugar; nem que seja para matar a saudade e contemplar o mar. O que raramente pegamos são meia dúzia de maria-mole ou cangauás... Cação, robalos, arraias, sargos... nem em sonho. Estávamos lá, eu e papai, enxaguando camarão e recordando os velhos tempos: - Pai, se lembra daquele dia em que ferrei um peixe que levou os cem metros de linha e não vimos a cara dele? - Lembrei. - Acho que foi uma jamanta ou uma cambeva! - Respondeu papai. - Julinho, um dia vim aqui com o Juventino, estava dando muita tortinha (maria-mole). Uma hora vinha puxando uma quando, de repente, a linha travou e puxou pra fora. Queimava até a mão! Agüentei e vim tenteando até que o bicho cansou. Juventino improvisou um bicheiro e trouxemos o bicho. Era um buta de um robalão, tinha uns 20 kg. Deu trabalho, viu?! - É pai, como foi que ele pegou na linha? - Robalo é peixe de corrico, quando vinha puxando a tortinha ele meteu a boca e ferrou-se! Ferrou-se duas vezes - continuou papai - porque comi ele com banana verde!!! Estávamos ali. no apreciar das recordações, já com a bunda amortecida de tanto ficar sentado na costeira esperando o peixe fisgar, quando, de repente, chegaram dois paisanos; um de botinas carregava uma pá e outro com botas sete léguas, trazia uma enxada e um saco de linhagem, parecia que iam virar concreto... Passaram por nós, numa conversa não familiar e foram logo mostrando suas intenções. Olhei pro papai, ele olhou pra mim e num ar de grande interrogação e desconfiança, ficamos a observar... A costeira já estava mais careca do que cabeça de jogador da seleção brasileira; e os paisanos começaram a fazer o serviço... Com pá e enxada, rasparam dois sacos de marisco, se é que se pode chamar aquilo de marisco. Papai ficou furioso em ver o estrago e a judiação que aqueles dois desprovidos de consciência fizeram na costeira. - É por isso que a costeira tá careca desse jeito! - Resmungou papai. Papai foi lá dar uma especulada e veio reclamando: - Pra fazer uma coisa dessas só podia ser mineiro mesmo, não querendo ser racista, mas é que caiçara não faria uma barbaridade dessas! O caiçara sabe a época de se extrair o marisco, sabe a lua certa, sabe o tamanho, sabe se o marisco está gordo ou magro, tira o marisco com faca ou vanca; nunca com enxada!!! - É pai, talvez seja a fome, o desemprego que faz isso! Mineiro sabe é tirar leite de vaca e fazer queijo, mas tirar marisco na costeira calçado com botas e enxada nas mãos, nunca vi!!! Injuriado e inconformado com a cena, papai recolheu a linhada. - Vamos embora, Julinho, aqui não venho mais!!! A mesma coisa seria se a gente fosse pra Minas laçar boi com o picaré e comer queijo com banana verde!?
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