Arquivo EASN | |
- Quer ver um ninho de andorinhas? Olha lá em cima, lá na beira do telhado. Lá, tá vendo? Olha direito... Vem... Vem mais pra perto. Isso... Vem... Tá vendo? Lá, lá em cima... Ali ó... - E o garoto incauto, primeiro dia de aula, com seu uniforme impecável, primeira vez na escola, no Grupo Escolar Dr. Esteves da Silva, sapato preto, Passo Doble, novinho em folha, engraxado, brilhando, vai se aproximando, olhando para o alto, para o beiral do pátio de recreio do grupo escolar, vai vagarosamente, pé ante pé, guiado pelo G., sempre olhando para o alto, quando... de repente... Plaft! O Passo Doble novinho, engraxadinho, todo reluzente, calcado, chafurdado num monte de merda, estrategicamente depositado no meio da calçada, sob o beiral onde supostamente estaria o ninho das belas andorinhas. G. e seus asseclas, todos repetentes contumazes, explodem em risos sardônicos, diabólicos. O pobrezinho do garoto, desnorteado, impotente, acabava de sofrer seu batismo, o trote, pelas mãos do G., no primeiro dia de aula no Grupo Escolar Dr. Esteves da Silva. Não sei quantas séries o G. era repetente. Marmanjo, foi jubilado do grupo escolar. Não dava pra coisa. Foi trabalhar, fazer bicos. Um caso perdido na opinião dos professores. Vivia na diretoria para prestar contas de travessuras ao diretor, o professor Heber Lino. Já o professor Lauristano tinha-lhe uma tolerância incomensurável. Havia outros da mesma estirpe a sacanear os mais novos. Outro dia, meu amigo Toninho Guimarães lembrava de um que lhe extorquia o lanche na hora do recreio. A maioria desses já barbados do curso primário estudava no período matutino e, nesse dia em que presenciei o trote do G. no infeliz neófito, era também o meu primeiro dia de aula, a primeira vez que ia à escola. Dei no pé, passei sebo nas canelas, corri para a casa de meus pais que ficava a dois quarteirões da escola. Seu Humberto foi me buscar. Tranquei-me no quarto. Abri um berreiro tremendo e fui tomado por uma oportuna dor de barriga. Após ameaças de punições, entramos em negociações e ficou acertado que iria no período da tarde. Não me lembro se, naquele dia, o meu sapato era também um Passo Doble... O meu pavor não fora o medo de pisar na merda, mas sim o de ser ridicularizado. Depois do almoço, fui para a escola. Um alívio saber que à tarde havia poucos marmanjos e que Dona Mercedes, a minha primeira professora, morava pertinho de casa e era amiga de mamãe. O ocioso leitor, que chegou até aqui, há de perguntar o porquê dessa lembrança, dessa história tão chinfrim, tão pífia. Explico. É porque ela encerra um ensinamento moral bastante oportuno para os dias de hoje. Moral da minha historinha: Acautelai-vos com aqueles que querem conduzir-vos a ver coisas lá no alto, pois podem, cá embaixo, levar-vos a pisar onde não deveis. Olha no que deu sermos conduzidos pelos petistas que ostentavam bem no alto a bandeira da moralidade, que nos acenavam para que a olhássemos com fé - acabamos chafurdados em mentiras, em ladroeiras sistematizadas, em mensalões, em dólares na cueca, em apoio a ditadores e a terroristas internacionais. Muitos brasileiros, nestes tempos petistas, são como aquele menino da minha historinha: ainda não se deram conta de quem verdadeiramente são os que estão a conduzi-los. Sentem algum fedor, mas não sabem de onde vem. Um dia terão de olhar para os pés, estejam estes calçados ou não com um Passo Doble. Os G. de hoje são infinitamente mais perigosos e maliciosos.
Nota do Editor: Eduardo Antonio de Souza Netto [1952 - 2012], caiçara, prosador (nas horas vácuas) de Ubatuba, para Ubatuba et orbi.
|