A decisão judicial, como diz o antigo e sempre verdadeiro provérbio popular, decorre da cabeça do juiz, que é como bunda de nenê: ninguém sabe o que dali vai sair. E é bom que seja assim, por conta de um dos pilares da aplicação da Justiça, que é o livre convencimento do magistrado. Livre, porque não adstrito ao que diz o advogado do autor, nem ao que diz o advogado da outra parte, nem ao que diz o Ministério Público. Mas livre, desde que fundamentado. Não pode o juiz dizer "faça-se assim porque quero, bato pezinho, que faça-se assim". Precisa dizer "faça-se assim porque diz o autor isto, alega isto, prova isto, e diz a outra parte que é aquilo, alega aquilo, prova aquilo; diz o Ministério Público que a lei diz outro tanto e que, no caso concreto, resulta naqueoutro. Portanto, isto, aquilo e aquilo outro configuram um fato jurídico, a exata situação que, silogisticamente, resulta neste fato jurídico, como diz aquele ícone judiciário com respaldo do doutrinarista aqueloutro ainda, o que me faz acolher, ou rejeitar, integralmente ou parcialmente, a pretensão desta e ou daquela parte." Precisa fundamentar, dar fundamentos, dar alicerce, fincar pilotis no manguezal para dar sustentação à sua sentença, que passa então a ser, no jargão judicialesco, "r." de respeitável, ou "v." de veneranda. Bem, quanto ao jargão, menos, menos... Ainda que a sentença seja uma das possibilidades do nenê, uma merda completa, ainda assim será "r." ou "v.". Diz um juiz que isto é certo, diz o outro que é errado, julga o primeiro tribunal a apreciar a causa que está certo o juiz, diz o outro tribunal que está errado o juiz, diz ainda outro tribunal superior que errado está o tribunal inferior, e por aí vai, até chegar ao ente Supremo, que erra ou acerta por último, como bem disse o tristemente inesquecível Gilmar Dantas. Entram em cena outros conhecimentos, outras matemáticas, que falam em moda estatística, em recorte, em densidade: ao final, ainda que entre cada individual caso continue existindo a contradição, a densidade de opções por esta ou por aquela linha definirá, coletivamente, e ao longo da linha do tempo, o que é justo e o que não é, consolidado num fenômeno do mundo jurídico chamado de "jurisprudência". Por que a Justiça não é ciência exata? Porque é humana. Navegar é preciso, viver não é preciso. Humanos vivem, navegam imprecisamente na vida, a menos que o problema seja estritamente matemático, ou geográfico. Nos conflitos humanos submetidos ao Judiciário, só as contas financeiras podem ser (mais ou menos) exatas. Os direitos, os fundamentos, jamais os serão. Então, menos, menos, ao louvar ou atacar a decisão do juiz. Podemos, devemos, respeitar a decisão do magistrado, partindo sempre do pressuposto de sua boa fé, de seu livre convencimento. Vale para o magistrado da primeira instância daqui, para o de segunda instância, para o do tribunal superior, vale até mesmo para o ministro do Supremo. Até prova em contrário quanto ao pressuposto. E então, percebemos (digo no plural, porque acho que é assim que o comum do povo percebe, mas cometo a ousadia de propor um exercício de pensar, que é tomar o particular pelo geral, um método científico calcado na indução e seus perigos) que o juiz local vive um mundo paroquialista, que o juiz intermediário vive um mundo tecnicista, que o juiz superior vive um mundo político, que o juiz supremo vive um mundo de fantasias na sua ilha da fantasia, sede dos Poderes da República, onde existe o mundo tecnicista a serviço do mundo político. Trata-se, claro, de perigosa e brutal simplificação. Assim, temos, quanto a três vereadores da Câmara Municipal de Ubatuba, a decisão liminar, proferida antes do julgamento efetivo e principal, do magistrado local afastando-os "imediatamente" do cargo. Teremos, é possível, a decisão de alguma câmara do Tribunal de Justiça do Estado cassando tal liminar. A lenta, lerda, lerdésima engrenagem judicial seguirá seu tortuoso caminho pontilhado de recursos protelatórios até tomar uma decisão final que, com boa probabilidade, será então inócua - caso não ocorra antes algum tipo de prescrição. Proponho aqui outra consideração, desta vez como eleitor. Mas também como juiz de fato, dos fatos dos quais tomei confiável conhecimento e, assim, posso proferir minha própria decisão, válida exclusivamente para mim, razoavelmente livre (porque não tenho acesso pleno a todos os fatos, em vista do filtro da mídia local e da impossibilidade de conhecer todo o universo dos fatos, dos quais ouvi, e muito, falar aqui no meu bairro, no pé do morro do Funhanhado). Collor passou por julgamentos político e judicial. No político, sua pena foi o impeachment e o impedimento, por muitos anos, de participar da vida pública como candidato a qualquer cargo eletivo da República. No judicial, não foi condenado, por falta de provas. Meu julgamento político particular o condenou, definitivamente, irrevogavelmente. A situação é análoga. Não sei em quem votarei para vereador. Mas já sei desde agora, firmei meu veredito como juiz dos meus atos, em quem não vou votar, independentemente do que diga o Poder Judiciário. É meu direito inalienável e, diferentemente do juiz togado, não preciso fundamentar minha decisão, ainda que, para consumo interno de minha consciência, alinhe os fundamentos e finque meus pilotis no manguezal que é a política, geralmente nanica, aqui de Ubatuba. Há também, é lamentável, um quarto vereador envolvido, com a conivência de todos os demais: o que propôs, e viu aprovada, sua moção de congratulações aos eleitos para o Conselho Municipal em questão. Uma moção que apresenta congratulações pelo simples fato de terem sido eleitos, não por qualquer trabalho efetivamente realizado. Uma moção de congratulações, portanto, inclusive aos dois membros ora afastados, por conta dos vícios do processo eleitoral. Tal vereador, é certo, não terá meu voto, se candidato. No mínimo, para que aprenda a melhor direcionar seu chorrilho de moções de congratulações a granel. Fico cá pensando se se trata do mesmo vereador que o Julinho Mendes chama de Zé Moção.
Nota do Editor: Elcio Machado (cidadania.e@gmail.com), 60, batizado como Elciobebe, sob as bênçãos e maldições de Cunhambebe, caiçara em construção. Mantém o blog Exercícios de Cidadania (cidadania-e.blogspot.com). Permitida a reprodução, desde que citados a fonte e o endereço eletrônico original.
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