Arquivo EASN | |
Tardes calmas de verão. Tardes de domingo ensolaradas, de céu irrepreensivelmente azul. A brisa marinha incessante a brincar com as gaivotas sobre o Atlântico e a suavizar o calor dos corpos acomodados sobre a relva na beira da praia do Cruzeiro, naquele trecho entre a cruz e as imediações defronte o prédio da antiga Câmara Municipal. Aqui e ali, grupinhos de jovens ou de adultos a prosearem. Mais afastados, casaizinhos de namorados. Eram tempos de pudor e recato em público. Na sombra das amendoeiras, os que mergulhavam nas páginas de um livro ou de um jornal. Mais adiante, um ou outro que escutava, no radinho de pilha portátil, Mitsubishi, a transmissão, em ondas curtas, de algum jogo do campeonato paulista de futebol. Eram tempos de Pelé e Ademir da Guia. A certa altura, de enormes caixas acústicas, instaladas nas cercanias pelo Gustavinho Skiendzel, o som agradável, de excelente qualidade para aquela época, pervagava a tarde com as músicas que fizeram a trilha sonora daquelas gerações: The Beatles, Sergio Endrigo, Nico Fidenco, Gilbert Becaud, Ray Charles, Wilson Simonal, Rita Pavone, Vanderleia, Roberto e Erasmo Carlos e por aí afora. E nós ali, não sentados à beira de um caminho, mas à beira da praia, naquelas imensas tardes de domingo. Tardes de domingo preguiçosas. O tempo passava lento, planando como as fragatas nas correntes de ar pelo azul do céu. Bem cedinho, à igreja. Depois, à praia. Após o almoço, o Cine Iperoig ou a beira da praia do Cruzeiro. Exceto quando havia algum jogo de futebol importante no campo do Perequê-Açú. Um ASDER versus Diabos Rubros. Aí, então, a cidade baldeava-se àquele bairro para assistir aos nossos craques da bola. E tínhamo-los em pencas: Nédes, Novato, João Gonzaga, Toninho e Dedé Medeiros, Zé Antonio, Wilson Guimarães, Joanilson, Tuta... Dava gosto vê-los jogar. Eu era torcedor do Diabos Rubros. Um timaço, treinado pelo Ari Cunha e depois pelo saudoso amigo Helio Stefani. Nédes, Wilson Guimarães e Toninho Medeiros, talvez, os três maiores craques do futebol ubatubense. Naquelas tardes, as proximidades das laterais do gramado do campo de futebol ficavam tomadas pelo público. Homens e mulheres, dos mais abastados aos menos favorecidos, pessoas de todas as idades, e todos se conheciam. Carrinhos de pipoca e, circulando entre o povaréu, garotos a vender pirulitos em tabuleiros e, em cestas de taquara, amendoim torrado ou pinhão cozido. Fogos de artifício, rojões, a partida havia terminado, a tarde chegava ao fim, saltava o alambrado da Serra do Mar. As pessoas, então, retornavam para suas casas, alguns de bicicletas, a maioria à pé, em grupos, e riam e tagarelavam, respeitosos e descontraídos. Penso que não lhes passava pela alma a idéia de que aquelas tardes de domingo eram reflexos de uma comunidade coesa na alegria e no sofrimento, de que tinham uma história e uma cultura comum que as identificava e as unia e de que um dia aquelas tardes de domingo em Ubatuba não se repetiriam nunca mais.
Nota do Editor: Eduardo Antonio de Souza Netto [1952 - 2012], caiçara, prosador (nas horas vácuas) de Ubatuba, para Ubatuba et orbi.
|