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COLUNISTA
Julinho Mendes
26/04/2010 - 07h35
Do Capitão Deolindo ao Capitão Dudu
 
 
JCM 

Ubatuba é uma cidade fantástica. Suas matas, suas praias, seus cantos e recantos, seu povo. Fantástica também pelas suas histórias, os causos então, nem se fala. Tony Luiz que o diga! E foi ele que abriu as páginas de um grande livro que vivia escondido pelos cantos de Ubatuba, na memória de seu povo. O Ranchinho Caiçara, programa radiofônico que ia ao ar através das rádios Costa Azul e Gaivota, de 2000 a 2005, comandada pelo radialista Tony Luiz, e tendo como participante os saudosos João de Souza e Clamentino, este que escreve, João Barreto, dona Nena, Sinéia, mestre Bigode e vários outros, fizeram com que muitos dos acontecimentos ocorridos na cidade, lembranças de personagens, o modo de vida caiçara, uma infinidade de coisas viessem à tona, num resgate fantástico da identidade e cultura caiçara.

Lembro ainda de vários amigos como Eduardo Souza, Jobàn, Bado Todão, Fátima Souza, José Ronaldo e Domingo dos Santos, Aládio Teixeira leite, seu Rochinha... muitos e muitos outros que guardam em suas memórias, páginas e mais páginas desse livro invisível.

“O tiro de canhão do Zé Mapiá”, contado pelo caiçara João Barreto na época do Ranchinho Caiçara, é um desses causos de um pitoresco fato ocorrido na cidade, que lembro mais ou menos assim:


Tudo corria com tranqüilidade até que num fatídico ano de 1932, por divergências políticas entre São Paulo, Minas e Rio de Janeiro houve a grande revolução, deixando em polvorosa todo o Estado, principalmente moradores daqui de Ubatuba, por ser a nossa cidade divisa com o Rio de Janeiro. O prefeito daquela época, o então Capitão Deolindo de Oliveira Santos, para fazer média e dizendo ser para segurança dos munícipes, tomou uma grande decisão: resolveu tirar do baú, ou melhor do porão do Casarão do Porto (hoje Fundart), um canhão do tempo do Império, e colocou num ponto estratégico da cidade. O ponto escolhido foi ali na boca da barra, onde hoje é a região do Farol. Instalado o canhão era preciso que fosse testado e principalmente inaugurado para que fosse reconhecida a tão nobre idéia do prefeito, que de capitão, patente nenhuma conseguira, nunca viu de perto uma academia militar. E agora? Quem daria o tiro no canhão? Zé Mapiá! Sim, o único entendido em artilharia pesada, ou melhor, era quem nas festas juninas soltava bombinhas, fabricava busca-pés e que em suas caçadas dava tiro com espingarda de carregar pela boca. Só para se ter uma idéia do conhecimento em armamento bélico, a boca de sua espingarda tinha uma polegada e meia. Quando atirava num bando de tiriba que passava voando, não ficava uma sequer, mas o segredo era que na hora do tiro ele chacoalhava o cano para espalhar o chumbo.

Foi decretado feriado municipal para ver o tiro de canhão do Zé Mapiá, e o momento chegou: discursa o capitão e seus vereadores, autoridades diversas, banda de música, coral da igreja... tudo pronto para o tiro. Zé Mapiá todo prosa, vestido de terno branco, feito exclusivamente para o evento, com a tarefa que só ele sabia fazer, foi logo botando em prática o seu trabalho. Com um saca-rolha desembuchou uns oito cartuchos de caça de espingarda 28, tirou a pólvora e jogou dentro do canhão, fez uma bucha com folha seca de bananeira, colocou a bala (bola de chumbo) e pediu autorização ao prefeito:

- Sr. capitão estou pronto, posso pregá fogo?

- Ainda não, vou fazer mais um pequeno discurso. - Falou o prefeito. - Povo de Ubatuba, por terra ou pelo mar, que venham os cariocas, estamos preparados para defender nossa cidade.

Vivas e aplausos duraram quinze minutos.

- Prega fogo Zé Mapiá.

Zé Mapiá então meteu fogo nos dois metros de estopim do canhão e saiu correndo. Na mesma hora o povo se afastou metendo os dedos nos ouvidos. Até o fogo correr os dois metros de estopim, a banda tocou mais uma música. E o tiro saiu: Buuuuuuuufe! Pela culatra, foi um fumação só, de cor cinza, que saiu feito nuvem de vulcão, e pela boca, a bala correu pelo cano do canhão e caiu meio metro na frente.

João Brás que se rasgando em risada, ao lado do prefeito, assim falou:

- Capitão, é com isso que quereis enfrentar os cariocas? Tem mais valia o meu bodoque.

Como de fato o bodoque do João Brás derrubava até jacutinga nas grimpas das bicuibeiras.

Enquanto o povo se acabava em risadas, o prefeito “capitão”, bravo, que nem siri na lata, pedia convincentes explicações ao Zé Mapiá.

Coitado do Zé Mapiá, dava dó!


Pois é minha gente, coisas de Ubatuba!

Exatamente 78 anos depois desse fato, mais uma ocorrência poderemos ter envolvendo o mesmo artefato bélico. Segundo comentários entre Dr. Bicalho e Palombeta, o mesmo canhão do tiro do Zé Mapiá que encontra-se em frente ao prédio da Fundart, poderá entrar em ação, agora para lançar ao espaço um satélite que está em fase de projeto e que tem apoio do atual Capitão Dudu.

Que satélite é esse e qual a sua finalidade não sabemos, mas fica aqui uma pergunta: Será que o canhão está preparado para tal evento?

Com certeza, do jeito que os politiqueiros são chegados em uma mediazinha com os mais incautos e tem a mídia chapa-branca a seu dispor, banda de música, foguetório e discursos políticos, não faltarão. Tomara que não errem na quantidade de pólvora que será colocada pela boca do canhão. Pólvora a menos faz buuuuuuuufe e pólvora a mais racha o cano do canhão. Se tudo der certo, uma coisa é certa, o canhão vai ganhar moção.

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