A carroça, o cavalo e mais o condutor pela ciclofaixa. Automóveis, nos cruzamentos, com meio corpo dentro da ciclofaixa. Carrinhos de comércio ambulante pela ciclofaixa. Motociclistas “cortando” os automóveis pela ciclofaixa. Ciclistas, de cara feia e na contramão, a exigir que saiam da frente os que pedalam pela mão certa da ciclofaixa. Pedestres que trocam as calçadas esburacadas, empoçadas e desniveladas pelo lisinho da ciclofaixa. As nossas ciclofaixas, as nossas ruas, o nosso sistema viário são um expressivo exemplo da nossa cultura, da nossa urbanização, da nossa competência gestora sintonizada com o turismo, nossa principal atividade econômica. Bombaim tem o tráfego bem mais organizado. Lá, pelo menos, as vacas são respeitadas. Aqui, o privilégio é de algumas bestas. Falta-nos gestores ou os que temos apenas refletem o que nós somos? Ubatuba. Cidade turística. Um exemplo de urbanização e civilidade. A avenida principal da cidade, a avenida Iperoig, abriga um pitoresco atrativo: a feira hippie, embora os hippies não mais existam desde os anos 70 do século passado. Os feirantes têm licença para trabalhar como ambulantes fixos. Um paradoxo? Uma peculiaridade gestora do município? A feira fica defronte de um patrimônio histórico tombado e abandonado: o Casarão do Porto, que olha súplice para a Igreja Matriz, a dois quarteirões dali, sufocado pelas construções modernosas e a catinga dos dejetos do mercado de peixe também nas proximidades. O lugar é o berço histórico da cidade e cultiva o cheiro característico de fraldas usadas e de assemelhados. Falta-nos gestores ou os que temos apenas refletem o que nós somos? Nossas calçadas. Ah, nossas calçadas! Um representante do Comitê Olímpico Internacional que viesse aqui indicá-las-ia como uma nova modalidade de marcha atlética com obstáculos. Em alguns lugares, e há muitos deles, se estreitam, comprimem-se entre, de um lado, as paredes das casas e dos prédios, com seus toldos colocados em alturas variadas, seus estacionamentos de bicicletas, placas de diversos tipos, tamanhos e intenções; de outro, os postes de energia elétrica nelas plantados rente ao meio-fio, fazendo com que, nos dias de chuva, e há muitos deles, nesses estreitos e tortuosos corredores, os guarda-chuvas abertos sejam usados, ora na horizontal, ora na vertical, ora devido a um poste, ora devido a um toldo... O sujeito, desviando de buracos, poças, desníveis, toldos, placas, estacionamentos de bicicletas, desviando de outros guarda-chuvas, com seus guarda-chuvas ora na horizontal ora na vertical, durante esse percurso de tantos obstáculos, transmite-nos a sensação de estar dançando frevo! Um espetáculo típico proporcionado por nossas calçadas, um atrativo turístico e tanto. Esses são alguns aspectos de grande esplendor da cultura urbanística de minha cidade. Há outros, interessantíssimos, como a cuidadosa mixórdia das fachadas das casas e prédios, mas fica para outra ocasião. Nossos gestores, preocupados com o atacado, com as grandes questões urbanísticas, não olharam para o varejo, para os detalhes, e estes vieram compondo o nosso perfil. Ubatuba, cercada de tantas belezas naturais, hoje tem cara de... Complete a reticência o estimado leitor.
Nota do Editor: Eduardo Antonio de Souza Netto [1952 - 2012], caiçara, prosador (nas horas vácuas) de Ubatuba, para Ubatuba et orbi.
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