26/11/2024  06h34
· Guia 2024     · O Guaruçá     · Cartões-postais     · Webmail     · Ubatuba            · · ·
O Guaruçá - Informação e Cultura
O GUARUÇÁ Índice d'O Guaruçá Colunistas SEÇÕES SERVIÇOS Biorritmo Busca n'O Guaruçá Expediente Home d'O Guaruçá
Acesso ao Sistema
Login
Senha

« Cadastro Gratuito »
COLUNISTA
Julinho Mendes
30/03/2010 - 07h04
O Judas de Zé Cândido
 
 
 
Luiz Moura 
  Dr. Jubarzinho, candidato a Mister Judas 2005.

A malhação do Judas era uma tradição forte em Ubatuba. O Sábado de Aleluia era esperado com ansiedade pela criançada caiçara. A malhação só podia acontecer após as doze badaladas de meio-dia, ouvidas do sino da Igreja Matriz. Era mais que um sacrifício esperar o meio-dia para iniciar a malhação, ainda mais após uma Semana Santa de abstinência, onde não se podia caçar passarinho, invadir quintal para roubar frutas, pegar em facas, olhar em espelho, falar palavrão, comer carne...

Em qualquer trecho de rua, esquina, praça e jardim tinha lá algum Judas dependurado num galho de árvore; alguns recheados de balas e guloseimas; gordinhos e prontos para serem judiados.

Zé Cândido era um dos fazedores de Judas, gostava dessa brincadeira desde o tempo em que morava na capital. Veio para Ubatuba depois de se aposentar da Polícia Montada de São Paulo. Era um “crioulão” sarado, tipo guarda-roupa. Zé Cândido tinha um costume, que não se sabia se era promessa ou simplesmente um gosto: todos os dias, ao meio-dia, ele se dirigia à praça da Matriz e soltava um foguete de vara, foguete esse produzido por seu Jango Teixeira, o único fogueteiro de Ubatuba, naquela época. No Sábado de Aleluia, Zé Cândido soltava três foguetes, anunciando o início da malhação dos Judas; e assim, respeitosamente acontecia...

Um certo ano, a tradição de se malhar os Judas após o meio-dia foi desrespeitada, um dos Judas foi malhado ao amanhecer e foi justamente o Judas feito por Zé Cândido, que, como sempre, vinha recheado de balas e chocolates. Fulo da vida, Zé Cândido prometeu pegar o safado que desrespeitou a tradição, custasse o que custasse, demorasse o que demorasse. Aquele ano passou e novo ano chegou. Chegou o carnaval, a Quaresma e nova Semana Santa estava presente. Já era quarta-feira, hora de preparar os novos Judas. Era hora de pegar o safado que roubou o Judas ano passado. Seria um Judas barrigudo e bonito. Era o que pensava Zé Cândido.

Temos em nossas matas várias espécies de marimbondos, mas duas dessas espécies devem ser respeitadas e se destacam por seus ataques, que podem até matar um indivíduo que se deixar ferroar. Um é o marimbondo-aperta-goela e o outro é o marimbondo-tatu. O último tem esse nome porque sua casa tem o formato idêntico ao casco de tatu.

Isaias Mendes, em uma de suas caçadas com o companheiro Vicente Ramos, certa vez meteu chumbo grosso numa casa desse marimbondo pensando que fosse um tatu que estava trepado num pé de embaúba. Esse marimbondo, durante a noite, se esconde em sua casa, tornando-se inofensivo; podendo sua casa ser removida ou destruída sem qualquer perigo.

A vingança de Zé Cândido estava próxima de acontecer. O Sábado de Aleluia começou em um lindo alvorecer, e, bonito e barrigudo estava o Judas de Zé Cândido, dependurado numa das árvores no largo da campina. As balas e chocolates que eram tradicionais nos Judas de Zé Cândido tinham outros formatos e dolorosos sabores. Atrás da moita ficou a esperar. Não demorou e apareceu aquele que simplesmente parecia um padeiro a entregar, de casa em casa, os seus pães e leite de garrafa. Milton Bacurau aproximou-se e vendo aquele bonito e recheado Judas, que sabia ser de Zé Cândido, não pensou duas vezes, foi logo tirando o porrete de espantar cachorro e partiu pra cima do boneco, a fim de pegar as balas e chocolates. Deu a primeira pancada e viu que o Judas gemeu, ou melhor, roncou feito porco do mato. (Se fosse comparar aos dias de hoje, o ronco que saía de dentro do Judas, fazia o mesmo som do radinho de pilha que o Eduardo que é Souza, mas não é César, ainda usa.) Surpreso com aquele ronco que saía do Judas encostou o ouvido para ouvir que barulho seria aquele.

Atrás da moita, Zé Cândido rachava o bico de tanto dar risadas, chegou a mijar nas calças.

Numa carreira apavorada, Milton Bacurau saiu, de grito, seguido pela nuvem de marimbondo; marimbondo-tatu, que ele, como caçador que era, conhecia muito bem. Saiu em desespero, largando o porrete e abandonando o triciclo de entregar pães, indo se jogar nas águas do mar da praia do Cruzeiro.

Zé Cândido, como bom policial que fora, desvendou o caso do Judas anterior e fez a sua tão esperada vingança.

Milton Bacurau apareceu na padaria do Zezinho (Padaria Estrela) depois do meio-dia; parecia o próprio Judas, todo esculhambado; tava com a cara inchada, parecendo broa de milho antes de ir para a fornalha.

A lembrança de Zé Cândido, de Jango Teixeira e o caso do “Judas Marimbondo” me foi contado pelo caiçara Nenê Velloso. Milton Bacurau era um dos padeiros que entregavam pães e leite a domicílio em triciclos; sua participação no conto é uma ficção e peço desculpas pela forma, até pejorativa, que foi colocada. Milton Bacurau foi um amigo, pessoa honesta e trabalhadora, de quem tenho saudades.

PUBLICIDADE
ÚLTIMAS PUBLICAÇÕES SOBRE "CRÔNICAS"Índice das publicações sobre "CRÔNICAS"
31/12/2022 - 07h23 Enfim, `Arteado´!
30/12/2022 - 05h37 É pracabá
29/12/2022 - 06h33 Onde nascem os meus monstros
28/12/2022 - 06h39 Um Natal adulto
27/12/2022 - 07h36 Holy Night
26/12/2022 - 07h44 A vitória da Argentina
ÚLTIMAS DA COLUNA "JULINHO MENDES"Índice da coluna "Julinho Mendes"
04/11/2022 - 05h45 Impávido cara-pálida
19/09/2022 - 06h08 Não esqueçamos...
15/08/2022 - 06h22 A educação e a mendicância
17/09/2021 - 06h30 Analogia Luso-Tupinambá
30/10/2020 - 06h41 Renovos tempos - O nosso boi renasce do mar!
· FALE CONOSCO · ANUNCIE AQUI · TERMOS DE USO ·
Copyright © 1998-2024, UbaWeb. Direitos Reservados.