Arquivo Julinho Mendes | |
Três coisas ele não largava: o canivetinho, um pedaço de fumo de rolo e o seu inseparável cachimbo feito de barro. Onde quer que fosse, o cachimbo ia junto, e junto ia também aquele “petil” desgraçado, cheiro peculiar de quem é fumante de cigarro de palha ou cachimbo. Fumar no cachimbo era uma distração, uma forma de relaxamento e passatempo. Na pescaria, então, era o cachimbo que lhe dava sorte, pois ao iscar, a isca no anzol, passava o cheiro de fumo na isca e com isso os peixes ficavam doidos. Isca de sardinha com cheiro de fumo a garoupa não agüentava; podia a água estar fria, maré de ressaca, ou água clara, que a garoupa desentocava e metia a boca no anzol. Camarão com gosto de fumo: embetara, corvina e micholo brigavam no fundo do mar por causa da isca. Em sua pescaria de corrico, a isca era feita com o próprio fumo de rolo, cortado em formato de peixe. O xaréu, a sororoca, a anchova... chegavam sair fora d’água para morder a isca. Nos meses de junho e julho, dividia o seu tempo entre a pescaria e a caçada. Era grande caçador de macuco e como tal, tinha o seu pio para chamar o galináceo, adaptado no próprio cachimbo; era um cachimbo que tanto soltava fumaça como piava macuco. Tião Mesquita, um outro grande caçador de macucos, certa vez, num dia daqueles em que não existem nuvens no céu, avistou debaixo da mata aquela estranha nuvem branca: - Minha Nossa Senhora, o que será aquilo? - Pensou e devagarzinho foi chegando perto da nuvem. A espingarda já estava engatilhada quando deparou com o causador daquela fumaceira desgraçada. Era o Antonio Pedro fumando em seu cachimbo. - Que fumação é esse, Antonio? - Perguntou Tião Mesquita. - Estou piando macuco, mas como tem muito pernilongo, resolvi fazer uma fumacinha para espantar o bicho! - Mas com essa fumaça na sua frente você não enxerga nada, homem! - Você que pensa! A minha espingarda é de dois canos, um tá carregado e o outro cano é para eu olhar por dentro e observar o macuco que chega na beira da fumaça e não me vê! Já matei oito macucos e doze urus! Era assim o nosso amigo Antonio Pedro... Certa vez, remendava sua rede na beira do jundu da praia do Itaguá quando seu amigo Barrosinho chegou com a notícia de que a cavala na ponta do farol era coisa por demais. Não pensou duas vezes, largou a costura da rede, passou a mão no balaio de linha de pesca, arriou a canoa n’água e se largou em direção ao farol da Ponta Grossa. Remou por mais de duas horas, chegou no local do pesqueiro e constatou que realmente as cavalas pulavam pra tudo quanto era lado, dando em cima “de comedil”; tinha cavala que até rinchava e dava coice. Apoitou a canoa, iscou o anzol e arriou a linha. Nesse momento deu uma vontade louca de fazer uma cachimbada e foi aí o seu desespero... Procurou o seu famoso cachimbo e não achou, passou a mão nos bolsos da calça, revirou o balaio, procurou na proa e na popa da canoa e nada de cachimbo. - Filho da mãe! Esqueci o meu cachimbo no rancho de canoas! Não vou agüentar ficar aqui sem o meu cachimbo! Não deu outra: mais que depressa recolheu a linha, puxou a poita e se arrancou em busca do cachimbo. Agora, já mais cansado, demorou três horas para chegar ao velho ranchinho. Demorou, mas chegou. Correu no rancho e passou a procurar o tal cachimbo; virou e revirou, mexeu e remexeu, até no buraco do guaruçá procurou o seu cachimbo e naaaaada. - Não é possível, se o cachimbo não está aqui só pode estar lá em casa! - pensou. Correu em sua casa e agora já mais nervoso, foi revirando tudo quanto era gaveta, prateleira, guarda-roupa, armário e até dentro da lata de farinha procurou o cachimbo. Vendo sua aflição e nervosismo, sua mulher, dona Luzia, em voz baixa e tímida lhe faz a pergunta: - O que você tá procurando assim tão desesperado, homem de Deus? - Você não sabe, mulher, que quando eu fico assim é porque estou procurando o meu cachimbo? - respondeu seu Antonio. - Estou cansada de saber que quando você fica assim é porque você está procurando o seu cachimbo! - Então porque me fez esta pergunta boba? - Olha o respeito, boba, não! - Boba, sim! Se você sabe que eu estou procurando o meu cachimbo, você não deveria perguntar o que eu estou procurando! - Eu sei disso, mas é que eu estou vendo o diabo do cachimbo bem na sua cara! Está aí, no canto de sua boca. O homem, de vermelho ficou branco; passou a mão na cara e encontrou o inseparável cachimbo de barro. Estava ali, no canto da boca; era como se fosse um dente, o nariz ou a orelha... o cachimbo fazia parte de seu corpo, e naquele desespero de querer ferrar uma cavala, esqueceu que o cachimbo estava o tempo todo pendurado no canto de sua boca. Que vexame!!! Este foi mais um dos causos acontecidos nessa terra caiçara, um causo verídico, ocorrido com o saudoso pescador do bairro do Itaguá, “Antonio Pedro”, causo esse contado pelos próprios filhos, Mário Pedro e Bertolino Pedro.
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