Depois de longo e tenebroso inverno, em que já estava criando limo e cracas de tanta umidade, e a soltar pombas e corvos para saber se as águas tinham baixado, eis que surgiu a primavera! Mas... Não é que a danada trouxe consigo na bagagem dias cinzentos sujeitos a chuvas e trovoadas! Deve ser coisa dessa bobagem de Mercosul, em que a Argentina, além de nos boicotar produtos industrializados, vive nos mandando frentes frias. Raios me partam! Não há mais primaveras como antigamente! Ah, a primavera! Primavera é esperança, é a constatação de que a felicidade vive mesmo é de contrastes. Cansados do inverno, não vemos a hora de chegar logo a primavera com seu colorido. A primavera é a abre-alas do verão, que já se organiza no começo da passarela do Trópico de Capricórnio, a Marquês de Sapucaí do universo. Esta primavera, no entanto, parecia-me, no início, mancomunada com o inverno. Será que se esqueceu de que o mandato do lastimável inverno terminou? Cacilda! Primavera é governo de transição, até que haja a posse do verão. Mas na terça-feira, dia nove de novembro, a primavera acordou azul, ensolarada, estendendo roupas nos varais, arriscando-se num modelito de pernas de fora, de passarinhos gorjeando e voejando por todos os cantos desta cidade. Isso sim é que é manhã de primavera! Não, não está sendo de toda má, esta primavera, no que diz respeito à esperança. Pelo menos de minha parte, uma vez que certos desejos se realizaram; alguns não tanto da forma como eu gostaria, como foi o da queda do Fidel. Em compensação, a reeleição do Bush desceu-me como uma skolzinha bem gelada. Ah, tem também esse terrorista assassino, o Arafat, que já vai tarde. Até hoje não me esqueço do assassinato daqueles atletas nas Olimpíadas de Munique. Há males que vêm para o bem, porque é sempre possível que o bem se encontre dentro do mal. O mal é privação. É com a perda de alguma coisa que podemos também descobrir o seu verdadeiro sentido. Só sabemos o que é a riqueza quando temos a pobreza, o que é a saúde quando experimentamos a doença. É porque experimentamos as ideologias coletivistas de direita ou de esquerda que nos aferramos à democracia, aos direitos do indivíduo, à liberdade. É porque o inverno nos encheu a paciência que sabemos o quanto vale a primavera e o verão. Bem, mas agora chega de filosofar, vou abrir mais uma geladinha, à saúde do George. E que venha sol!
Nota do Editor: Eduardo Antonio de Souza Netto [1952 - 2012], caiçara, prosador (nas horas vácuas) de Ubatuba, para Ubatuba et orbi.
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