Voltei. Deu uma refrescadinha. Meu PC já não estertora, e os neurônios que me restaram, depois de demasiada exposição à recente canícula senegalesca que nos assolou, já me permitem leves reflexões sobre o mundinho em que tapeamos o tempo. Voltei. Não suportava mais deixar meus inúmeros leitores impacientes, requestando minha presença nesta polêmica revista. Digo polêmica por que uma parcela dos leitores acha que O Guaruçá só sabe meter o pau no prefeito, e a outra, entende que o pau é pouco e que é preciso aprimorá-lo. De que lado estou? Em cima do muro, a contemplar estrelas. No fundo, no fundo, tenho comigo que o alcaide é uma unanimidade. Contemplar estrelas, por sinal, foi o que fiz recentemente. Passei três dias na casa de um amigo na praia de Ubatumirim, durante o carnaval. À noite, caminhando pela praia, pude rever a... Via Láctea! Contemplei-a durante algum tempo. O céu absolutamente estrelado mexe com o atávico, com o primitivo que há em nós e também com o transcendental, em que estamos, somos e nos movemos. Refleti também sobre a miserabilidade humana e sobre o processo de entropia mental que assola aqueles que detêm algum poder de influir no destino do município. Durante o dia, numa frágua infernal, imobilizado numa cadeira de praia, sob frondosa amendoeira, mantendo conversa fiada, interrompida por goles de cerveja celestialmente gelada, constatei que o destino de Ubatumirim é ser a Perequê-Açú da região norte e também como são brilhantes os planos e a nossa política para o desenvolvimento do turismo. Quando retornei, chegando em casa, recebi a notícia de que ocorrera uma batalha campal na avenida Iperoig. De cara, imaginei que fosse alguma atividade constante de algum projeto de revitalização daquele logradouro que já foi, para ubatubanos e turistas, cenário de inolvidáveis noitadas. Quem já é ou está à beira de ser sex...agenário sabe. Desde aquela belle époque caiçara (no início da segunda metade do século XX), a imagem do turista que tenho e desejava para Ubatuba era a do paulistano de classe média alta, pródigo de bolso, que saía com a patroa e os filhos para gastar no comércio local, que ia a restaurantes, que freqüentava casas noturnas (e as tínhamos várias e excelentes), que investia em imóveis, que participava da noite com a galera boêmia e se comportava gentil e civilizadamente com os nativos. Já a imagem do turista de hoje me remete à do germano, comendo churrasco de javali na laje, com as mãos imundas, fazendo competição de arrotos, ouvindo funk ou o Calcinha Preta, depois de ter invadido e destruído Roma, com a ajuda dos hunos, os petistas de então. Ah, os nossos "turistas"! Se eu pudesse, construiria uma casa lá no alto da serra, lá onde antigamente havia o Bar do Toniquinho, parada obrigatória dos ônibus da Atlântico, só para assistir da varanda, com os amigos, a inevitável batalha final, a derrocada desta cidade que poderia ter sido, mas não foi. Ubatumirim, doravante, só fora das temporadas e feriados prolongados, quando é possível, então, rever a Via Láctea, antes que ela seja tutelada por alguma ONG ambientalista, sem os ruídos dos carros sonorizados dos vândalos e visigodos, acantonados na orla da praia.
Nota do Editor: Eduardo Antonio de Souza Netto [1952 - 2012], caiçara, prosador (nas horas vácuas) de Ubatuba, para Ubatuba et orbi.
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