Outrora, o boi no carnaval era a atração no folclore caiçara, assim como até hoje em todo o Brasil, o boi tem sua tradição viva. Em Ubatuba o boi teve seu auge no carnaval nas décadas de 50 e 60, onde diversos grupos comandados pelos mestres Augusto do Cristino, Veiga, Diniz, Sidônio, Albado, Emilio Graciliano e outros, faziam a Dança do Boi de Ubatuba. Na década de 70, praticamente, a dança do boi em Ubatuba se extinguiu, dando lugar a formação das Escolas de Samba, introduzida pelo carnavalesco Nei Martins, que fundou a primeira Escola de Samba em Ubatuba, a GRES “Mocidade Alegre do Itaguá”. Filhos e netos dos grandes mestres não deixaram a festa folclórica da Dança do Boi acabar, mesmo que sem as rabecas, as violas, os pandeiros e as cantorias, o boi dança ao ritmo da bateria de Escola de Samba. O boi que dançava nesse ritmo foi o Boi Dourado, comandado pelo Gilberto do Diniz, João Teixeira Leite, Ferreirinha e a bateria do pessoal do Morro da Pedreira (netos e bisnetos de Augusto Cristino - mestre de boi). Antes do surgimento do Boi Dourado, por vota de 1985, na casa do velho Diniz e dona Ada, na rua Adutora; tivemos a iniciativa de fazer voltar a Dança do Boi de Ubatuba, e assim o fizemos. Os integrantes eram: Gilberto e Juarez do Diniz, Jair, Didi Chapisco, Sairinha, Ataliba, Clementino, eu e o pessoal da Pedreira. Com armação de bambu e arame, saco de lona e com uma cabeça de boi verdadeira, trazida lá de São Luiz do Paraitinga, construímos um boi, que recebeu o nome de Queima-rosca. Sábado de carnaval, e a base de mocotó, churrasco, cerveja e outros comes e bebes, a concentração estava formada, dando o último retoque no Queima-rosca. Sete horas da noite, hora de sair para a avenida. Cadê o Ataliba (tripa do boi) que ia conduzir o boi? Chama daqui, chama dali... até que apareceu o Ataliba, já travado de tanto beber dizendo que estava no banheiro. Saímos passando pela casa do velho Miguel Ageu para darmos uma saudação ao velho folião e seguimos pela reta da rua Dona Maria Alves até que chegamos na avenida Iperoig, local onde o Queima-rosca iria se apresentar. Fizemos uma parada em frente a lanchonete Império para descansar e reabastecer a fonte da ilusão. Hora de sair. Cadê o Ataliba para reconduzir o boi? Chama daqui, chama dali... até que apareceu o Ataliba trêbado, dizendo que estava no banheiro. (De novo!?) Reabastecidos e com toda a ansiedade de passar pela avenida, saímos eufóricos em direção ao palanque das autoridades, local da apoteose... O boi, investindo pro lado que tinha mais gente, abria caminho pela multidão que “intransitava” a avenida... Num certo momento, Ataliba que estava mais bêbado do que peru em véspera de natal, já de pernas bambas, tropeçou na guia e empacotou com boi e tudo no meio da calçada. A bateria parou de tocar, a multidão curiosa, fechou ao redor do boi estendido no chão, rachando o bico de tanto rir. Nesse tombo o boi perdeu um chifre e lhe arrancaram o rabo. Ataliba, já anestesiado, pediu mais um gole, aprumou-se e entrou debaixo do boi novamente... Investe pra cá, investe pra lá, o boi saiu cotó e sem um chifre. Local da apoteose. O palanque estava cheio. Era o prefeito, o secretário de Cultura do Estado, vereadores, secretários municipais e outras autoridades que aguardavam a hora da cerimônia da abertura oficial do carnaval. Em cima de um calhambeque luxuoso vinha todo sorridente o nosso saudoso Catiara; posso dizer que o único que representou verdadeiramente o papel de Rei Momo em nossa cidade. Atrás do carro do Rei Momo, vínhamos, com todo respeito e responsabilidade para fazermos uma grandiosa apresentação, pois dependendo do nosso desempenho, seríamos convidados a fazer uma apresentação no espaço cultural do Anhembi, em São Paulo, e quem sabe até no exterior, mais precisamente em Milão, na Itália. Chegamos em frente ao palanque. Nesse momento fizemos uma parada para ouvir a cerimônia de abertura do carnaval... Discursa prefeito, secretário, vereadores... até que todos fizessem suas médias com o povo, levou mais de uma hora. Foi até bom, porque deu para tomar um fôlego e nos prepararmos para a grande apresentação da Dança do Boi!!! Observamos que quando o boi se apoiou no chão, o Ataliba não saiu, ficou lá dentro do bicho, naquele calor que parecia uma fornalha. Tudo bem!!! Pensávamos que ele não queria aparecer... Soou o apito do mestre Juarez, a bateria pôs-se a tocar e o boi continuou parado. Rapidamente chamei o Ataliba para se levantar com o boi, e, foi aí que eu descobri porque que o Ataliba não saiu de dentro do boi. Quando levantei a saia do boi, me veio uma baforada fedida de ar quente na cara que deu ânsia e vontade de vomitar. Aguentei! – Ataliba, vamos? – Segura aí, Julinho! Só mais um pouquinho! - respondeu Ataliba, meio gemendo. Imaginem vocês: a multidão que envolvia, as autoridades, todos esperando o levante e a apoteótica apresentação do boi. Não teve jeito. Começou um empurra-empurra, até que o boi se levantou. Nesse momento, uma fumaça amarela sai por debaixo do boi; aquele bafo que eu já sabia o que era exalou pela avenida... A multidão que apertava o boi, sumiu. Todo mundo saiu correndo, uns com as mãos apertando os narizes para não sentirem a catinga e outros pisando na bosta do boi, gritavam: - O boi cagô! O boi cagô! O boi cagô! Com a notícia de que o boi tinha cagado, o palanque também se esvaziou: nem prefeito, nem secretário e muito menos os vereadores, ficaram pra prestigiar a Dança do Boi. A avenida esvaziou-se... Acabou o sonho de mostrarmos a nossa cultura em outra cidade ou em outro país. O sonho acabou! Seguimos então para o final da avenida, onde fizemos a verdadeira apoteose. Mas esse final foi outra vez cômico e trágico. O Sairinha, outro componente do grupo, logicamente que trêbado, cismou de conduzir o boi que naquelas alturas já estava empenado, sem o rabo, sem o outro chifre... e porque não dizer cagado. E assim o fez. Não sei o que deu no Sairinha que de repente queria entrar com o boi dentro do Café Concerto (uma casa dançante que existia no final da avenida). Foi aí que a vaca foi pro brejo, ou melhor, o boi foi pro brejo. O bicho pegou! Formou-se um quebra-pau naquela pracinha que até camburão da polícia teve que aparecer para desfazer a briga, mas como era carnaval e éramos todos conhecidos dos policiais ninguém foi para a cadeia. Acabou ali o nosso carnaval e quem levou a pior foi o boi, que no outro dia amanheceu de carcaça virada, dentro da barra do Rio Grande. No outro dia encontramos o Ataliba, ainda bêbado e andando de pernas abertas, devido a assadura, cantando o seguinte: “O meu boi morreu, o que será de mim, manda buscar outro Diniz, lá em São Luiz.”
|