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COLUNISTA
Julinho Mendes
31/01/2010 - 14h17
O mandiocal do Gonçalo
 
 

Joaquim Melchiades, conhecido como Gonçalo, caiçara natural do bairro Perequê-Açú, nasceu, cresceu e morreu às margens do rio Indaiá, próximo à boca da barra; era o maior cultivador de mandiocas de Ubatuba. (Que diga o seu amigo Bigode!) Gonçalo foi amamentado com mingau do polvilho da mandioca, cresceu comendo mandioca e sustentou sua família às custas da mandioca. Gonçalo conhecia tudo quanto era tipo de mandioca, distinguia a brava da mansa, pela folha ou pelo talo, pelo gosto ou pelo cheiro, pela grossura ou comprimento. No plantio cavava o buraco com uma enxadada só, que era para não ofender a terra. Na colheita tirava a mandioca sem gemer, que era para a mandioca não endurecer na panela. Mandioca na mão de Gonçalo crescia na nova, na cheia, crescente e até na minguante, mas a melhor lua para o plantio da mandioca sempre foi na lua de mel. Teve 18 filhos.

Certo dia Gonçalo se viu em desespero; plantou trinta alqueires de mandioca e esperou por oito meses a colheita. Aí que foi o desespero! Cada pé de mandioca que ele arrancava só vinha o cepo da rama com os fiapos da raiz. O que estava acontecendo? Bicho do mato não era porque não existiam rastros e nem fuçado; saúva e quem-quem, também não eram. Fez ceva, fez mundéu, armou arapuca, dependurou esparrelas pelos galhos das ramas; sem contar com os cachorros de caça que faziam guarda vinte quatro horas por dia, enfim, o roçado do Gonçalo tava mais vigiado e tinha mais armadilhas do que o campo de batalha no Afeganistão. Estava arruinado! Gonçalo, pela primeira vez se viu derrotado, pois dependia da mandioca para sobreviver... Fazer o que diante da situação? Não aprendeu profissão alguma, não sabia caçar, não sabia remar... Sabia apenas, como meio de diversão e muito raramente, pescar com caniço na beira do rio Indaiá. Foi isso que ele fez diante da situação, sentiu-se obrigado a defender sua família com os carás e lambaris do rio Indaiá.

Seu primeiro dia de pescaria começou pela manhã. A maré estava cheia, pois o rio sofria influência do mar. Gonçalo observou que o rio estava repleto de peixes. Animado iscou uma minhoca no anzol e jogou no rio... A minhoca foi e voltou, de marrom ficou branca. O que estava acontecendo? Nunca em sua vida viu cará rejeitar minhoca. Trocou de minhoca, colocou butuca, bicho de pau, formiga de asas, e até filhote de rato. Nada! Nem sequer um lambarizinho. Talvez fosse a maré cheia. Foi embora e voltou a tarde com a maré vazia... No mesmo lugar e do mesmo jeito, Gonçalo iscou a minhoca no anzol e jogou no meio dos carás que sempre estavam lá. A minhoca foi e voltou, de marrom ficou branca. Trocou de minhoca, colocou butuca, bicho de pau, formiga de asas, e até marandová. Nada! De raiva deu um tranco na vara, e nessa, sem querer, ferrou um cará. O anzol grudou na barriga do cará que veio de cabeça pra baixo. Era um carazão de uns três quilos. Quando o cará bateu com a barriga no chão explodiu mandioca pra todo quanto foi lado. Foi aí que Gonçalo descobriu o paradeiro de suas mandiocas. Eram os carás que estavam acabando com seus alqueires de mandioca. Gonçalo descobriu ainda que o barranco do rio estava cheio de buracos. Isso mesmo! Buracos! Buracos feitos pelos caras. Quando a maré enchia, os carás sentiam cheiro de mandioca e assim faziam buraco nos barrancos indo até as raízes. O barranco do rio Indaiá tava que era só buraco feito pelos carás e lambaris; mas não eram só carás, tinha buraco feito por peixe-porco, sororoca e até cação que vinham do mar para apreciar a mandioca do Gonçalo.

Não estava totalmente perdido! Gonçalo teve uma idéia. Juntamente com seu compadre Bastião Manguá, fizeram um balaião de taquaruçu e vieram subindo o rio, cercando os carás. Cada cará que entrava no balaio, rapidamente apertavam-lhe a barriga e tiravam a mandioca, já ralada, prontinha para ser forneada. Foi um mal que veio para o bem. Gonçalo recuperou suas mandiocas e teve a vantagem de não precisar fazer o difícil trabalho de ralar a mandioca para fazer a farinha. Foi um mal que veio para o bem! A farinha feita pelo Gonçalo era especial e tinha gosto diferente; tinha farinha com sabor de cará, lambari e até farinha com gosto de palombeta.

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