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COLUNISTA
Eduardo Souza
06/01/2010 - 11h06
Turismo dos infernos? Ou, no inferno?
 
 

Último dia do ano. Resolvi sair pela manhã, de bike, para tratar de um assunto inadiável. Chovia. Ao passar pelo portão de casa, não me dei conta de que havia um letreiro no alto da cobertura do portão: "Vós que saís, deixai em casa toda esperança de uma Ubatuba melhor". Montei na bike e saí. Só depois das primeiras pedaladas é que pude entender que estava trafegando pelo sistema viário do inferno.

Caos total. Ruas entupidas de automóveis conduzidos por almas condenadas pelo excesso de estupidez. Calçadas sem pavimentos, desniveladas, esburacadas, empoçadas; pedestres disputando com bicicletas, motos e automóveis os espaços menos acidentados e arrochados. Parecia enredo de filme do Quentin Tarantino. Berros, xingamentos, gemidos, gargalhadas, uma ambulância esganiçante pedindo passagem, e todo mundo surdo às mais elementares conquistas éticas do que um dia foi a civilização ocidental. É o inferno, pensei comigo, não há do que me queixar. Olhei em torno - nenhum capeta fardado para disciplinar aquele tormento. Vamos sofrer com solidariedade, minha gente! Mas que nada, aquele povaréu estava mais para animais furiosos, afilhados do chifrudo. Voltei para casa. Resignado. Pensei nos gestores desse Hades praiano em que se transformou a terra em que nasci e que um dia ouvi dizer, e na minha santa inocência acreditei, era o próprio paraíso resgatado. Devem estar se preparando para a virada no camarote do Tinhoso, disse-me um pré-candidato a saci nas próximas eleições. O inferno é lucrativo e conveniente a muita gente.

Fiquei olhando a chuva, bebendo vinho e esperando o foguetório que tanto me encanta e explicando às três cadelas que tenho em casa que aquela barulheira toda era só mais uma festa dos humanos. Entrei em 2010 refletindo sobre as possibilidades de transformar este inferno em um lugar mais aprazível. Turismo dos Infernos? Ou, no Inferno? Taí um slogan que vende. Comecei bem o novo ano.


Nota do Editor: Eduardo Antonio de Souza Netto [1952 - 2012], caiçara, prosador (nas horas vácuas) de Ubatuba, para Ubatuba et orbi.
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