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Ubatuba
05/01/2010 - 07h00
Ubatuba e as democracias adjetivadas
Elcio Machado
 

É possível que venhamos a divergir um bocado, eu e meu amigo culto e ainda oculto Eng. Guaracy, mas tenho certeza de que sempre num nível de elevado respeito.

Pergunta o Eng. Guaracy: E a democracia cultural em Ubatuba?

Quem podia dizer que não havia democracia na ditadura pós-64? No entanto, a que havia, naquela época, era a democracia não-democracia, a democracia adjetivada. Se exige algum adjetivo para caracterizá-la, não é democracia, segundo diz uma corrente de cientistas políticos. Democracia limitada é não-democracia. As eleições, para os principais níveis, eram indiretas. Os partidos políticos estavam proscritos, só existiam uma Aliança e um Movimento. Claro que isso não deu certo, e vieram as sublegendas Arena 1, Arena 3, MDB 1, MDB 2. Mas só para candidatos a prefeito ou a vereador (exceto nas capitais). Para governador, presidente e prefeitos das capitais as "eleições", que eram a sacramentação dos ungidos, eram indiretas. Ora, argumentavam naquela época alguns, nos Estados Unidos as eleições presidenciais também são indiretas. Há um complicado método de delegados por Estados federados, mas o que vale mesmo, na prática, é o voto popular, desde as prévias para indicação dos candidatos. Mesmo lá o método experimenta seus limites, como a suspeita de que Bush filho, na primeira eleição, teve menor votação popular que seu opositor. Aqui, em São Paulo, o governador ungido ou era de família quatrocentona ou preposto de instituição financeira. Era também a "democracia" da ocupação do Estado pelos coronéis. Não o coronelato dos sertões, mas um tipo peculiar de nepotismo sob a forma de ocupação dos cargos executivos operacionais do Estado por coronéis do Exército, da Aeronáutica, da Marinha.

Então, por raciocínio análogo, em Ubatuba, existe democracia cultural, ninguém está impedido de produzir cultura. Jamais me canso de citar, exemplo disso é O Guaruçá - Folclórico e Alegórico, que se apresenta ao ar livre ou em espaços cobertos, mas sempre gratuitamente, mesmo sem ter patrocínio oficial. No entanto, é uma não-democracia cultural, porque é sabido que a produção e a reprodução de cultura somente sobrevivem se tiverem um mínimo de apoio oficial, dados os custos envolvidos. A OSESP, tucana até a raiz da alma, é o que é porque conta com apoio oficial, além, claro, de ter uma invejável carteira de assinantes. É esse sistema que permite uma orquestra de alta qualidade, que funciona regularmente na Capital e que, em curta temporada uma vez por ano, vai também ao Interior. A Virada Cultural consegue levar qualidade a uma grande quantidade de público, na Capital e no Interior. Assim também iniciativas privadas, como as do SESI e do SESC.

Em Ubatuba, porém, o mau hábito da apropriação particular do que é público, ou deveria ser, é algo arraigado, por anos a fio de desmandos e uma certa compassividade da população. Talvez contribua para essa passividade o que relata o Marcos Guerra, em Dois pesos e duas medidas em Ubatuba. O caso do cercado da praia do Cruzeiro, documentado em foto do Luiz Moura, sempre De Olho em Ubatuba, é exemplo dessa apropriação. A indignação com o que acontece é um primeiro passo. Mas, como dizia Santo Agostinho, "A esperança tem duas filhas lindas: a indignação e a coragem. A indignação nos ensina a não aceitar as coisas como estão. A coragem, a mudá-las". Talvez ainda nos falte a coragem.

Por P.S., cito que já sabia dos eventos em Oscar Bressane: encontrei-me casualmente com o prefeito Jairão, de Tarumã, num corredor de supermercado. Grandes festas abertas a toda a população integram, de alguma forma, o costume de pequenas cidades do Interior, se bem que, a meu ver, com um certo gosto de panis et circens, com o que os romanos continham a plebe, para não ter que usar a pax romana tradicional. Recolho agora de memória: por volta de 1977, 1980, sei lá, houve uma festança como a descrita pelo Eng. Guaracy na cidade de Jales (SP), para comemorar a inauguração da Rodovia dos Três Prefeitos. Chama-se assim porque quando a rodovia, que liga Jales a Aparecida d’Oeste, estava em fase final de construção, o carro que levava três prefeitos de cidades por ela servidas chocou-se, à noite, contra um monte de brita e dois morreram na hora. Outro ficou em coma por meses e depois faleceu também. Hoje a rodovia SP 563 chama-se Euphly Jales e perdeu-se a memória dos prefeitos mortos quando voltavam de São Paulo, à noite, onde tinham ido, em estreita cooperação, ido buscar recursos para suas minúsculas cidades.

A preservação da história, através de nomes de rodovias, nem sempre é justa e, por vezes, é injusta. Euphly Jales deu nome a uma das cidades que fundou, Jales, e deu o nome de seu pai, Francisco, a outra cidade fundada por ele, São Francisco. A rodovia que as liga chama-se, hoje, Rodovia Euphly Jales, mas seria mais justo que tivesse o nome dos Três Prefeitos que morreram por ela. Tanto batalharam que a conseguiram, mas acabaram morrendo nela. Hoje estão esquecidos e, por política, força política, o nome da rodovia nada tem a ver com eles. Lembra-me a Rodovia do Oeste, hoje chamada de Castello Branco, general da ditadura que jamais teve qualquer coisa a ver com projeto e traçado da autoestrada.

Como se vê, uma coisa leva a outra, e a outra, e eis-me aqui fazendo choramingação. Coisa feia.


Nota do Editor: Elcio Machado (elciomachado@ubaweb.zzn.com), 55, é recém-ingresso na tribo dos Bebe, à espera de ser batizado como Elciobebe, caiçara em construção. Mantém o blog Exercícios de Cidadania (cidadania-e.blogspot.com).

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