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COLUNISTA
Eduardo Souza
02/12/2009 - 07h16
1969, o ano que marcou as nossas vidas
 
 
Arquivo EASN 

Há 40 anos, no dia 19 de dezembro, às 09h30min, no Cine Iperoig, tinha início a solenidade de formatura dos alunos das classes matutina e noturna do então ginásio estadual "Capitão Deolindo de Oliveira Santos". O céu estava azul naquela manhã, varrido pela brisa marinha, e apoiava-se sobre as palmeiras imperiais da Praça da Matriz. As meninas esplendiam em seus uniformes - saias azuis pregueadas e blusas brancas. Lindas e delicadas borboletas esvoaçantes naquela manhã estival. Eu estava no meio daquela turma que esbanjava vitalidade e esperança. Tínhamos entre 16 e 18 anos de idade. Naquela manhã, compreendi o verdadeiro significado da amizade, do quanto amava aquela turma da classe do período matutino. O que eu não sabia era que começava ali naquela praça, naquela manhã de calmaria, depois de acabada a solenidade de entrega dos diplomas, a dolorosa estrada que me levaria a colecionar, vida afora, despedidas. Despedíamo-nos de uma das épocas mais afortunadas de nossas vidas. Hoje, quando reencontro alguém daquela turma, é unânime esse reconhecimento.

Eu fora o presidente da Comissão de Formatura. Havia conseguido o Cine Iperoig para a solenidade. Conseguira também, emprestado, o órgão da Igreja Presbiteriana para acompanhar o coral de alunos (ensaiado pelo professor e pastor José Calixto) na canção, com letra feita por mim para a ocasião, uma espécie de paródia da música italiana Torna Sorriento. Fizemos também, após e entrega dos diplomas, um coquetel, no restaurante do pai de uma das alunas, a amiga Ana Célia, e um baile no saudoso Grill, uma boate que havia na Avenida Iperoig.

Para arrecadar fundos, cuja coordenação ficara a cargo do Sergio (Shiguê), além das mensalidades dos alunos, fazíamos bailinhos aos sábados à noite, nas casas do Minoro, da Carmem e da Sueli. Cobrávamos ingressos e vendíamos refrigerantes e bebidas alcoólicas (hi-fi, cubalibre e cerveja). No pátio do ginásio (no prédio do atual colégio Olga Gil) tínhamos um balcão de madeirite em que vendíamos, na hora do recreio, cafezinho, sanduíches (pão com queijo ou com mortadela) e refrigerantes. Todos esses produtos eram doados pelo comércio local. Dava trabalho, mas era muito divertido. Havia no Capitão Deolindo, naquele ano de 1969, um clima alegre, um relacionamento de amizade respeitosa com o diretor do ginásio, o inesquecível professor Celestino Aranha, e com a maioria dos professores. Minha gratidão eterna a todos eles: Angela Pereira, Sylvia Ley, Wilma Alves, Cezar Aranha, Hercules Cembranelli, Joaquim Barbosa e o Fernando Carvalho.

Na solenidade, que tinha por paraninfo o professor Hercules, depois que a oradora, Carmem Lúcia, terminou seu discurso, começamos a canção de despedida e, quando a terminamos, havia lágrimas nos olhos da galera. Éramos jovens vivendo na mesma cidade provinciana, com uma população que não passava dos 10 mil habitantes. A maioria vinha estudando junto desde o primário; mas não era só estudar, não: íamos à praia, ao footing de paquera em volta da Praça da Matriz e na Avenida Iperoig, aos bailinhos, ao cinema, ao boliche, às praticas esportivas. Era uma turminha muito unida.

Encerrada a solenidade, saímos do cinema e despedimo-nos ali na praça, e ficou-me a impressão de que aquele lugar se tornara a beira de um cais. Alguns desses amigos, logo depois, partiram, foram embora, fazer o colegial em outras cidades, outros permaneceram por aqui mesmo, para fazer a Escola de Comércio, a atual "Tancredo Neves", recentemente inaugurada. É bom que se diga que a Escola de Comércio foi uma conquista de jovens ubatubanos, de uma geração anterior à minha, sem nenhum empenho por parte dos gestores públicos de plantão à época. Deixo essa história para o Ernely Fragoso contar.

O ano de 1969 fora muito conturbado no mundo inteiro. Havia a guerra fria, o Muro de Berlim (o mais expressivo monumento do socialismo real), os movimentos estudantis, as patrulhas ideológicas, os hippies, as ditaduras militares, de esquerda e de direita. O Brasil vivia sob regime militar, no entanto, por mais paradoxal que pudesse ser, havia uma tremenda ebulição cultural nos costumes, nas artes. Havia uma atmosfera de esperança. Havia segurança quanto ao futuro e nós faríamos as coisas acontecerem. Ubatuba era nossa. Ah, a juventude! Mas aqueles tempos produziram também os homens que viriam determinar (e continuam determinando) os rumos políticos do Brasil depois da anistia política. São a nossa intelligentsia, são também os nossos governantes desde o fim do regime militar, responsáveis pela vereda que tomou a nossa democracia e pela situação política atual.

No dia 19 de dezembro deste ano, cada qual à sua maneira, estaremos comemorando 40 anos de nossa formatura de ginásio e orando pelos que já não estão mais entre nós. Estaremos celebrando também os momentos inesquecíveis que vivemos intensamente, em segurança e esperança, a plenitude de nossa juventude. Há uma frase, do padre Antonio Vieira, que diz: "O bem ou é presente, ou passado, ou futuro: se é presente, causa gosto; se é passado, causa saudade; se é futuro, causa desejo." Aquele abraço aos amigos e, para sempre, obrigado!


Nota do Editor: Eduardo Antonio de Souza Netto [1952 - 2012], caiçara, prosador (nas horas vácuas) de Ubatuba, para Ubatuba et orbi.
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