Por onde andará Guilhermo Fowler? Sempre que penso em rádio, lembro-me desse saudoso portenho, desse argentino descendente, creio eu, de ingleses. Viveu uns tempos em Ubatuba. De vez em quando, desaparecia. Quando retornava, vinha com a corda toda. Exsudava criatividade e algumas loucuras. Paradoxal: um portenho que não gostava de tango. O negócio era rock’n roll: Pink Floyd, Rollings Stones e outras bandas mais. Um cinquentão, na época, com espírito de adolescente. Boêmio. Bom papo. Quando não estava... iluminado! Conheci-o na época em que fui gerente da rádio Costa Azul. O Gois, o Diretor Geral (um ubatubano por quem tenho o maior carinho e admiração), que já conhecia o Guilhermo de outros carnavais, ficou receoso em tê-lo de volta à emissora. O argentino era indomável, porém, super-criativo, dez mil anos luz à frente do restante da equipe. Era preciso contê-lo com rédeas curtas para que sua sôfrega imaginação não desembestasse. Mas, como bom aquariano, do primeiro decanato, concordei que se deveria dar nova oportunidade ao fecundo portento portenho. Mesmo porque, já aprendera, então, a manha de como lidar com artistas, o jeito mais adequado para se montar uma verdadeira equipe, para que as coisas dessem certo. E deram. Imaginem gerenciar uma equipe com 11 Romários... É preciso ser bem maleável, saber dialogar e dar ordens, distinguindo o importante do irrelevante e onde colocar o foco: vencer os desafios, as partidas e ganhar o campeonato. O resto se tolera, com algum puxão de orelha aqui e outro acolá. Foi um período fértil. A emissora conseguira ter uma grade de programação bem diversificada, com enfoque especial no jornalismo local e na prestação de serviços. A audiência e a credibilidade cresceram bastante e a rádio se consolidou. A Costa Azul se propusera ser um espaço democrático à discussão de idéias, sem partidarismos e ideologias, e à inovação na programação. Tivemos bons frutos, pelas mãos de: Dodinho, Claudia, Luana, Danny Fisher e Cristina, Mauro Lauro, Gustavo Rebuá, Cícero Gomes, Benetti, Beto, Ednelson Prado, Jurabelo, Olívia de Carle, Rinaldo, Osvaldo Luiz, Russo, dentre outros. Mas o fundamental foi que, quando entrei, tive a sorte de encontrar um senhor time de craques que me facilitaram a vida: Luiz Serpa (o melhor programador musical que conheço), Felipe Camarão, Paulo Ribeiro, Ary Mattos, Paulo Stefani (Gabiru), Pacheco, Gilberto Serpa, Paulo (Padre Chico) e Vital Moreira. Fizemos de tudo um pouco na Costa Azul. Desde pesquisa eleitoral a shows ao ar livre. Certa feita, convencemos o saudoso Thomas de Carle a nos fazer uns flashes de reportagem ao vivo, diretamente de Paris, para onde viajara. Ele, naquela oportunidade, passeava numa barcaça, à noite, navegando pelo rio Sena. Entrou no ar com uma descrição primorosa do local onde estava. Falou do luar sobre o Sena, sobre a luz que incidia nos edifícios e antigos castelos margeantes. Foi um primor de descrição. Em seguida, Thomas deu-nos as principais manchetes dos jornais parisienses. Chique demais. Já a irmã de Thomas, a Olívia, que sempre foi uma excelente repórter, fizemos com que ela fosse a Paraty para entrevistar nada mais nada menos que o governador do Estado do Rio, que lá se encontrava em visita oficial, o engenheiro Leonel Brizola. Era assim a Costa Azul, na década de 80, do século passado. Mas retornemos ao Guilhermo, que ficou conhecido em Ubatuba menos pela sua veia artística do que como "o homem da banana-loca" - um doce gelado, feito de banana recoberta com chocolate, que o saudoso portenho vendia nas praias e na cidade. Certo dia, ele nos procurou para que divulgássemos sua mercadoria, que então buscava espaço no concorrido mercado ambulante ubatubense. Apresentou uma condição: a de que ele mesmo produzisse e dirigisse a gravação da propaganda. Passou alguns dias enfurnado no estúdio de gravação com uma turma até que os spots estivessem prontos. Foi um sucesso danado. Porém, um desses "comerciais", depois de alguns dias de transmissão, foi tirado do ar. Era um spot de pouco mais de 30 segundos. Tratava-se de uma paródia de uma passagem bíblica: o povo judeu em busca da Terra Prometida, no calor escaldante do deserto. Se não me falha a memória, havia uma algaravia e gemidos como sonoplastia quando alguém reclama a Moisés da fome e da sede que estava sentindo. Novamente a balbúrdia e as reclamações. Aí, então, alguém grita: Milagre! Milagre! Está caindo maná do céu!... Um outro responde: "Não, não, não é maná, não... É BANANA-LOCA e GELADINHA!!!! Um pastor de uma dessas igrejas evangélicas ouviu, não gostou e pressionou para que o comercial fosse tirado do ar. Havia também um outro spot, que continha uma cena de Romeu e Julieta, que não me lembro bem nem onde e nem como entrava na tal cena a guloseima do argentino. Só sei que a propaganda foi um sucesso e, daí em diante, Guilhermo passou a ser chamado de Banana-Loca. Ele sabia que a grande sacada do rádio era trabalhar com o imaginário das pessoas através da audição. O sujeito ouvia aquela propaganda e, tenho certeza, criava na mente todo um cenário de pessoas com aquelas túnicas e turbantes semitas a correrem desesperados para catar as bananas geladinhas recobertas com chocolate que caíam do céu. Tenho muitas e boas lembranças daqueles tempos. Eu nasci na era do rádio. Cresci ouvindo rádio, e trabalhar na rádio Costa Azul foi uma das melhores experiências de minha vida. Sou grato a todos os amigos que fiz nos 10 anos em que lá trabalhei. Há outras histórias, mas ficam para outra transmissão, digo, ocasião.
Nota do Editor: Eduardo Antonio de Souza Netto [1952 - 2012], caiçara, prosador (nas horas vácuas) de Ubatuba, para Ubatuba et orbi.
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