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Há muitos anos não vou ao Sertão da Quina. Tenho lá bons amigos. Amizades feitas nos idos dos anos 70, quando trabalhei na Sisla Engenharia S/C que naquela época construía o loteamento da praia do Pulso. Boa parte dos trabalhadores dessa obra era do Sertão da Quina. Mais tarde, quando na assessoria do governo do então prefeito José Nélio de Carvalho, essas amizades fortaleceram-se ainda mais. A foto aí de cima (sou o terceiro, agachado, da direita para a esquerda, o de bigode, à la Rivelino) é de um jogo de futebol, um amistoso, entre o pessoal da prefeitura e o do Sertão. Uma confraternização que teve seu ponto alto numa churrascada na casa do saudoso amigo Pedro Baitaca, sob a supervisão do inesquecível Zé Henrique dos Santos. Marlene, assessora do vereador Osmar, tem me cobrado uma visita ao Sertão da Quina. Prometi que irei, e vou. Não só pelos amigos que quero rever, mas também porque aquele bairro sempre me cativou. Era, e espero que continue sendo, um dos poucos bairros de Ubatuba genuinamente caiçara. No Sertão da Quina você entrava em contato com a essência do modo-de-ser-caiçara. Isso numa época em que já se tornava visível a desintegração da cultura caiçara em diversas localidades do município. O Sertão da Quina era o que se pode chamar de uma verdadeira comunidade. Solidificada pelo catolicismo, pela argamassa da tradição, pelos laços familiares, pela cultura herdada dos antepassados, pelas alegrias e infortúnios que alimentaram a história daquele bairro que, naqueles tempos, ficava tão distante da sede do município. Abro aqui um parêntese para homenagear dona Maria Balio, uma mulher intrépida, destemida na defesa dos interesses da Maranduba, do Sertão da Quina e adjacências. Lembro-me dela atuando como vereadora, num período em que havia reivindicações para que a região fosse transferida à jurisdição do município de Caraguatatuba, tal era o descaso das nossas administrações públicas para com aquela população. O amigo Ezequiel, jovem de boa cepa ubatubana, mais do que eu – e aqui faço um desafio a ele – é quem tem autoridade para contar sobre o povo do Sertão da Quina. Dizer dos homens e mulheres que fizeram a história daquela comunidade tão cordial e hospitaleira. Dizer das festas juninas, dos causos de pescadores e caçadores. Contar-nos, por exemplo, de como a comunidade, naqueles tempos tão difíceis, construiu com recursos próprios a própria igreja, que está lá até hoje como símbolo da dimensão espiritual daquela gente. Numa época em que os homens já se deixavam seduzir pelas promessas dos bens materiais da modernidade, o pessoal do Sertão da Quina me dava exemplos de que só o ter não engrandece nem confere dignidade. O pessoal do Sertão refletia o verdadeiro modo-de-ser-caiçara, ubatubano. Marlene, me aguarde que eu vou. Arranje o peixe que eu levo a banana e a farinha, ou vice-versa.
Nota do Editor: Eduardo Antonio de Souza Netto [1952 - 2012], caiçara, prosador (nas horas vácuas) de Ubatuba, para Ubatuba et orbi.
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