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COLUNISTA
Julinho Mendes
16/07/2009 - 07h00
Alma-de-gato
 
 
Julinho Mendes 

No tempo de criança, a imagem acima não causava a mim e a muitas outras crianças qualquer sentimento de dor ou de dó. Vivíamos de estilingue em punho, o tempo todo; era avistar um passarinho que, sem titubear, a pelotada comia solta.

Nessa época de frio em que os passarinhos procuram lugares mais quentes e também em função das fruteiras das regiões baixas estarem cheias de frutinhas, sabiás, saíras, tiés, alcaides, caga-sebos, bonitos, periquitos, jurutis... infestavam as mais diversas árvores. Aí os estilingues entravam em ação. Eram pares de elásticos amarrados, num lado a uma forquilha e no outro um pedaço de couro, “formidável” arma para conter o esvoaçar de asas, a lira dos cantos e as aquarelas das cores dos mais diversos passarinhos. Era assim! Infelizmente!

Dos que aprenderam e viveram essa cultura, diga-se agora, má cultura, certamente não têm hoje nenhum trauma ou ressentimento, mas lamentam. Era assim!

Hoje o sentimento é outro. Ao presenciar a imagem acima, a tristeza foi grande e a dó maior ainda, mas o que mais me comoveu foi no momento em que tirei a foto da tragédia observei que no acostamento da rodovia em uma árvore de galhos secos, estava triste e solitário o parceiro da vítima. Cortou-me o coração ver o outro passarinho em sua fala melancólica chamando sua parceira. Não adiantava mais, aquele casal de passarinhos estava separado para sempre. Ela voou, certamente pro reino do céu. Ele, viúvo, ficará só pro resto da vida, pois Deus assim determinou: ser fiel e ter um amor só na vida.

Nós, caiçaras, conhecemos esse passarinho pelo nome de alma-de-gato. Ele vive no estrado médio da Mata Atlântica para baixo, em capoeira, beira de rio. Seu “falar”, ao chamar seu parceiro ou ao se assustar, é um triqui-tririqui-triqui-triqui-tririqui-tririqui. Sem eco. Seco. Ao alvorecer e anoitecer já “fala” diferente, é um miado que ecoa longe, bem expandido e sonoro. Talvez aí a razão do nome “alma-de-gato”.

O nosso ornitólogo-mor, Carlos Rizzo, poderia nos informar mais a respeito do alma-de-gato, inclusive com fotos.

Muitos foram e serão os passarinhos, os gambás, as cotias, as pacas, besouros, borboletas... e caiçaras, vítimas dessa rodovia, que como pelotada, estraçalhou o corpo da nossa magnífica Mata Atlântica.

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