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COLUNISTA
Eduardo Souza
10/07/2009 - 08h02
Michael Jackson é o show
 
 

A conversa de hoje, no Calçadão, o nosso Central Park, como não podia deixar de ser, era sobre o espetaculoso funeral do Michael Jackson. Estava com uns amigos. A certa altura, sobrevoou-nos um helicóptero. O JTS olhou para o céu e pontificou ser o Rui que estaria indo para o funeral, representando Ubatuba. Sim, porque Ubatuba agora pegou a mania de se fazer representar em tudo quanto é lugar. Até em Cuba, a ilha presídio de mi-coma-andante, já estivemos. Bem, logo depois, já em casa, os canais de televisão só davam Michael Jackson. Transmissão ao vivo do show. Havia até bandeira brasileira na platéia. O mundo já foi melhor, podem acreditar. Saí da frente da TV e fui almoçar, lembrando-me de como eram bons os funerais de antigamente.

Não sou muito chegado a funerais. Se pudesse, não iria nem ao meu. Agora, devo reconhecer que antigamente os funerais tinham um certo magnetismo, eram mais honestos, lacrimáveis e lacrimejantes. Defunto na sala, porta da rua aberta, carpideiras voluntárias, o entra e sai, o cheiro das velas, das flores, alguns parentes de olhos empapuçados, outros de olhos gordos na herança, e, nos fundos das casas, normalmente na cozinha, uma boquinha livre para os veloristas. E o cortejo, então? Todo mundo a pé, todo mundo querendo pegar na alça do caixão. Aquela fila imensa pelas ruas da cidade.

O último cortejo de que participei, faz algum tempo, era de um sujeito notório. Não, não vou revelar o nome do defunto. Foi inesquecível. Cheguei atrasado. Pequei os últimos lugares da fila. O cortejo havia saído da igreja matriz e já estava a meio caminho do cemitério. Foi inesquecível porque caminhava a meu lado um verdadeiro time dos mais refinados fofoqueiros e pilheriadores de línguas ofídicas que então havia nesta cidade. Evitarei mencionar nomes. Alguns deles ainda estão por aí exercendo a loquacidade viperina. Em dado momento, caminhando rumo ao cemitério, nos últimos lugares da fila, em sussurros e risinhos contidos, maliciosamente, comentavam entre si sobre o infeliz que ia dentro do caixão:

- Esse era c...! FDP!...

- Será?... Munheca eu sei que ele era.

- Dizem que era v...

- Sei não, me falaram que era c..., que tinha até amante...

- Que nada! ...ele já não dava no couro...

E o cortejo seguia adiante, e essa galera não sossegou por um instante sequer. Só na porta do cemitério é que se dispersaram. Eu não entrei. Voltei para casa com a sensação de que o roteiro daquele evento havia sido obra do Nelson Rodrigues. Sim, do inesquecível teatrólogo.

Mas o que dizer do funeral do Michael Jackson. Brega? Circo? Cobraram ingresso! Hollywood e a Broadway fariam melhor? O povão vai poder ver aquela carinha de boneca do cantor? Este é o século da decadência total. Esse funeral reflete o patamar em que estamos.


Nota do Editor: Eduardo Antonio de Souza Netto [1952 - 2012], caiçara, prosador (nas horas vácuas) de Ubatuba, para Ubatuba et orbi.
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