Descobrimento do Brasil - Capítulo IV
Foram nove meses parando em ilhas, lombos de baleias, cascos de tartarugas ou em qualquer coisa flutuante... Nove meses de fome, dias de tempestades, horas de lutas... Um vinha pelo mar, o outro pelo ar; sempre juntos, um dando proteção ao outro. Quando o gambá era atacado por cardume de peixes-porcos ou tubarões, o jacu, lá de cima, soltava o barro, ou melhor, para os ouvidos mais sensíveis: fazia cocô no mar e distraía os peixes... Quando o jacu era atacado por bando de urubus ou carcarás, o gambá virava-se de barriga para cima, o jacu pousava e apertava a barriga do gambá fazendo-o soltar um gás tão fedido que nem os urubus agüentavam a catinga, todos fugiam. Assim, um protegendo o outro, o jacu e o gambá, depois de nove meses, voltaram, quase mortos, à terra natal. Nesse período de nove meses, como já sabemos, a anta de Dudubebe emprenhou-se do jegue, nascendo, assim, dezoito filhotinhos de jeganta. A anta pariu dezoito filhotes, mas tinha nove tetas; na hora de dar de mamar era uma briga desgraçada. Coitada da anta! Três dias de amamentação e ficou parecendo um saco de estopa vazio, só tinha pele. Dudubebe resolveu o problema pintando com tinta de urucum nove dos filhotes, para que pudesse diferencia-los na hora do leite. De manhã mamavam os pintados e de tarde os não pintados. Enquanto os pintados mamavam, Dudubebe levava os não pintados para passear na praia de Iperoig, na qual foram aprendendo a comer sapinhauá, pregauá e saquaritá que achavam no lagamá. Num desses passeios, Dudubebe encontrou dois seres estranhos estendidos na praia. Pareciam mortos! A princípio não reconheceu, pois um estava com o pescoço esfolado, em carne viva, e o outro, esfolado por inteiro. O jacu parecia mais com um anu, de tão magro e acabado que estava. O gambá parecia uma lingüiça com quatro pernas. Dudubebe pegou os bichos e levou-os ao abrigo de um abricoeiro. O jacu, sentindo o cheiro de seu primeiro dono, deu uma despertada, endureceu o pescoço esfolado e deu um berro: - Duduuuuuuuuuuubeeeeeebe?! O índio, por sua vez, reconhecendo o pássaro, gritou: - Meu jacuuuuuuuu! Meu jacuzinho! Você está todo esfoladinho! O que aconteceu? O gambá que agora tava parecendo churrasco mexido em farinha, cheio de areia, despertou, abriu um olho e enxergou, bem pertinho, duas jacas arriadas... Com a fome que o bicho tava, foi logo metendo o dente; acertou a jaca do lado esquerdo. Foi um berro só: - Aaaaaaaaaaiiiii!!! A jaca que o gambá mordeu foi a bunda do grande cacique Dudubebe. O grito despertou toda a tribo Tupinambá e não demorou, chegaram eles: Cunhambebe, Julinhobebe, Silvimbebe, Bitembebe, Quincasbebe, Adilbebe, Amerimbebe, Cerolbebe e mais uma centena de bebuns. Cunhambebe, apalpando a bunda do pai e vendo a gravidade do ferimento, falou: - Vamos lavar no sal da água do mar. - Você tá louco? Isso vai doer muito! - interviu Adilbebe. - Vamos passar limo-mingau. - falou Julinhobebe. - Não, limo-mingau tá cheio de camarão, vai fazer cócegas na bunda de meu padrinho! - interviu, agora, Bitembebe. A solução saiu da boca do índio primo Cerolbebe bebe: - Na bunda de Dudubebe vamos passar HIPOGROSS, que é bom pra pescar pacu, mas serve para outras coisas também! Passaram pomada não só na bunda do Dudubebe, mas também na bunda do gambá e no pescoço do jacu... Em três dias estavam tods curados. No jacu criava penugem no pescoço, o gambá recompunha sua catinga e o grande cacique tinha, no lado esquerdo da bunda, a marca dos dentes do gambá, parecendo uma linda tatuagem tribal. Numa tora redonda, Silvimbebe conversa e traduz aos demais da mesa a conversa dele com o gambá e o jacu. Os animais relataram a grande aventura vivida com os portugueses e o triste fim dos gêmeos. Da aventura e do hilariante fim que colocaram os irmãos Cabral na cadeia, nós já sabemos. Não sabemos, porém, o que aconteceu com os portugueses na cadeia. Pois bem, relata então o jacu e o gambá, para Silvimbebe, que traduz aos demais silvícolas: - O QUÊ QUÊ QUÊ DELEQUETÊ BIRIBIMBÓ? - pergunta Silvimbebe. (Traduzindo: O que foi que aconteceu?) - BIRIBIMBÓ QUE O IRE BIGODE TOUCREDE CONCI SONA DE SÃOPRI MOC LHOBATRA DOÇAFOR AOS SOÃMRI CABRAL, ROP TOCASADE A DEDARITOAU; AMU ÇATIJUSNI QUE DOTO VOPO GUÊSTUPOR TAES DONAGIDNI! - respondeu o jacu. (Traduzindo: Aconteceu que o Rei Bigode decretou UM dia de trabalho forçado na penitenciária máxima, por desacato à autoridade; uma injustiça que todo povo português ficou indignado, por ser apenas UM dia de reclusão, achavam que deveria ser mais, mas esse UM dia, por burrice dos irmãos, já passa de UM ano.) Perguntado e respondido, traduzido e entendido, o grande cacique Dudubebe, ordena que todos façam uma visita, em forma de solidariedade, aos irmãos portugueses, logicamente que lá em Portugal... No outro dia, o grande guapuruvu que aflorava na mata do morro da prainha, aldeia do índio Coaquira, já estava no chão. Em três dias o grande canoão já estava pronto: tinha treze braças de comprido e sete palmos de boca. A canoa recebeu o nome de “Maria Compridabebe”... A grande estrela “Dalva-Açu” ainda brilhava no alvorecer quando a cerimônia de partida foi dada por encerrada. A bordo do grande canoão estavam os doze navegantes, ou seja, na frente, dando orientações, iam o jacu e o gambá; em seguida os nove silvícolas que já conhecemos, e, por último, ia, com a bunda pra fora da canoa, o jeguinho de estimação que foi, pura e simplesmente, para matar a saudade de Portugal e consolar o seu ex-dono. Na virada da Ponta Grossa os silvícolas fazem a última despedida: todos dão meia-volta e ficam de frente para a aldeia na praia de Iperoig, ou seja, para entender melhor, todos ficam de bunda, tanto para o gambá e para o jacu. Num movimento de quem tenta encostar as mãos nos pés, os índios fazem suas ultimas saudações, mostrando seus bundões para os dois animais da frente. O gambá, até pensou em dar outra mordidinha, mas de vergonha, vira a cara. O jacu endurece seu grande pescoção e dá um grande berro: - QUÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁ!!!... - tomaram um susto que a canoa quase virou e o bruto balanço na canoa fez com o jegue caísse na água... – O que foi jacu? - pergunta Silvimbebe. - Com esses bundões de fora vocês não podem se apresentar em Portugal. Lá a vestimenta é outra, tem que usar terno, gravata, calça e camisa! - respondeu o jacu. Grande observação do jacu... Voltaram todos para a aldeia. O jegue, pra deixar de ser burro, voltou a nado. No mesmo dia, na aldeia, Dudubebe chama seu primo, o grande alfaiate Isaiasbebe, para confeccionar as vestimentas. Por sua vez, Isaiasbebe chama seus outros primos: Juventinobebe e Zé Dinizbebe para caçarem e trazerem peles de animais para confeccionar as vestimentas. De peles de curruíras à couro de veado-galheiro, não faltou tecido para confecção das roupas. Nessa brincadeira, a viagem atrasou duas semanas... Novo alvorecer, nova despedida. Agora, todos vestidos a rigor: Dudubebe trajava paletó de couro de veado-galheiro e gravata de borboleta cor-de-rosa; Adilbebe vestia um casacão revestido com penas de corruíra; Amerimbebe usava um terno feito de couro de arraia e uma gravata no formato de uma poita; Julinhobebe vestia um blêiser coberto com escama de tainha; Quincasbebe usava uma pantalona feito com fibras da casca de coco da Bahia; Bitembebe ficou na estica com um paletó de couro de cabra e também uma gravata feita da folha da planta “Espada de São Jorge”; Maurimbebe adornava-se com um suéter feito do couro do saco do barbado; Silvimbebe usava um colã feito de couro de lagarto e, finalmente, Cunhambebe vestia uma jaqueta feito com couro de jaracuçu e calça de couro de lebre. Agora sim, estavam todos a rigor! Realmente, as vestimentas confeccionados por Isaiasbebe, eram de deixar qualquer Clodovil português de boca aberta. Partiram na mesma formação... Ao chegarem na Ponta Grossa o jacu dá outro berro: - QUÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁ!!! Tomaram um susto que a canoa quase virou. O bruto balanço na canoa fez o jegue cair na água de novo... - O que foi agora seu Jacu? - questiona Silvimbebe. - O que foi é que temos que levar um advogado para defender, judicialmente, nossos amigos! - respondeu o jacu. Silvimbebe traduz aos demais indígenas a nova revelação do jacu. Nessa, Dudubebe, lá do fundo da canoa, lança sua cumbuca de comida no peito do jacu, jogando-o de pernas pra cima dentro do mar, enquanto fala: - Seu burro, por que você não nos avisou lá em terra?! Coitado do jacu, quase morreu. A sorte foi que o Adilbebe deu um beijo nele, fazendo respiração boca-a-boca. Foi a sorte. Voltaram para o continente novamente. Já na aldeia, em nova reunião, o grande cacique Dudubebe chama um de seus cupinchas, o doutor pajé Fioglibebe, grande feiticeiro, curandeiro, conselheiro e até parteiro da Tribos dos Bebuns. De cuia na cabeça, paletó feito com penas de surucuá e calça feito de couro de sapo-intanha, Fioglibebe embarca na piroga de Dudubebe. Partiram, mais uma vez, na mesma formação; cada um com sua cumbuquinha de comida a tiracolo. Na cumbuca de Dudubebe havia a mais variada alimentação da culinária indígena: desde saquaritá acebolado e refogado de caraguatá com fígado de jaboti até torresmo de porco-do-mato. Na primeira parada, Dudubebe comeu toda aquela extravagância de comida preparada com azeite de dendê. Não deu outra! O mar começou a ficar bravo e a canoa parecia uma gangorra; a proa subia e a popa descia... Nesse sobe e desce, formou uma trovoada na barriga de Dudubebe que não teve jeito; o simpático e sorridente índio começou a relampejar... Cada trovão que o Dudubebe soltava era um Deus nos acuda; a solução foi troca-lo de lugar, ou seja, o jegue veio pra frente e ele foi para trás, com a bunda feito motor de popa... Um baiacu, vendo aquele bundão dentro d’água, pensou ter conseguido uma namorada. Coitado do baiacu, ficou na saudade! Foi uma experiência que deu certo, pois, a cada trovão que Dudubebe soltava, a canoa tomava um impulso de trezentos nós por minuto... Chegaram em Portugal setenta e cinco dias antes do previsto. Dudubebe então falou: - Queridos leitores d’O Guaruçá, não percam o próximo capítulo dessa nossa aventura.
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