Estava totalmente em flor as mexeriqueiras, goiabeiras e abacateiros. Começava a primavera. - Julinho, lá na ALA, tá grosso de marrequinha! Vamos lá? - Falou-me Zezinho do Ximinguinho, companheiro de tudo quanto era brincadeira. Furamos a cerca e já estávamos no meio do bando de marrequinhas. Estilingada pra cá, estilingada pra lá, quando de repente, saindo por de trás de um ranchinho nos apareceu uma senhora de idade. Não teve jeito de correr porque o flagrante foi cara a cara. - Meninos, em vez de caçar passarinhos vocês não querem aprender a desenhar? Venham cá que eu irei mostrar-lhes o que a criançada está fazendo. Seguimos a velha meio desconfiados e nos deparamos com um galpão cheio de pinturas, desenhos, artesanatos, esculturas etc. Numa outra sala havia umas vinte crianças que faziam desenhos e pinturas. - Vocês não gostariam de desenhar também? - Perguntou a velha senhora. Não pensamos duas vezes, fomos logo pegando no papel e lápis e começamos a desenhar também. Era a Escola de Artes da nossa inesquecível Madre Glória que existia onde hoje é o supermercado Semar e a Secretaria Municipal de Educação, no prédio da Ala. Segunda, quarta e sexta-feira, lá estava eu junto com os novos amigos da arte. Segunda-feira era dia de desenhar e pintar. Uns mexiam com guache, lápis de cor ou de cera, outros pintavam com látex ou tinta a óleo. Na quarta-feira era dia de entalhar madeira, construir porta-retratos, bandejas de azulejos, cinzeiros e diversos artefatos de madeira. Nas sextas-feiras, não faltava um aluno. Numa sexta-feira era dia de pintar flores no muro do cemitério ou em qualquer outro muro público da cidade. Na outra sexta era dia de construir esculturas da areia, aí era gostoso; com baldes, pazinhas, enxadinhas, garrafas, palitos de sorvetes e com o pensamento no tipo de escultura que iríamos criar, íamos para a praia do Perequê-Açú. Chegando lá, sentados em círculo, ouvíamos com toda atenção os ensinamentos para a criação de uma boa escultura. Ali passávamos a manhã, e no final a recompensa, era uma escultura mais bonita do que a outra. Dava gosto de ver, mas também, dava dó, pois não tinha como traze-las para casa, tínhamos que deixá-las a mercê da maré. Dizia madre Glória: - Não tenham dó, pois o mar as levará para o reino de Netuno! Duas pessoas se destacavam com suas belas esculturas, um era o Mesquitinha e o outro Odaurí Carneiro, ambos eram campeões nessa modalidade, onde levavam o nome de Ubatuba em concursos de esculturas na areia em competições intermunicipais. Era esse o trabalho de Madre Maria da Glória, era uma mãe, uma conselheira, uma educadora, enfim, uma mulher que dedicou parte de sua vida em prol da educação artística e cultural da criançada ubatubana. Não éramos crianças de rua, éramos crianças com família constituída, tínhamos pai, mãe, escola e um lar. Hoje porém, embora existam instituições para cuidar do menor, acredito que não seja como era a escola de artes de Madre Glória. Lá realmente aprendíamos alguma coisa de útil, tanto é que hoje temos em nossa cidade artistas que passaram por lá e que “vivem” de sua arte. Existia naquela escola, o mais completo e diverso material para se fazer arte, tanto para meninos como para meninas. Sentíamos orgulho em ver nossos trabalhos expostos na sala de exposições ou pendurados pelas paredes. Fico agora me perguntando: “Que fim levou aqueles belos trabalhos de artes?” Fica aqui a lembrança daquela que também foi minha professora de francês, no Deolindo, a nossa querida Madre Maria da Glória, que hoje ensina sua arte para os anjos lá no céu.
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