Não tenho vocação para profeta, mas o tempo, meu caro Julinho, é o senhor das razões. No futuro, todos poderão ver que fizemos o melhor que podíamos para que esta cidade não colidisse com o iceberg iminente em sua, dela, rota. Não somos tripulantes, não estamos nos confortáveis camarotes e tampouco no convés, onde alguns privilegiados têm acesso aos botes e coletes salva-vidas. Estamos no porão, Julinho, e as nossas chances de não irmos a pique são mínimas. Você não acha que deveríamos optar pelas nossas singelas canoas de cedro ou de angelim? Mais vale uma piroga que nos caleje a bunda (no bom sentido, Julinho) e nos leve a um porto seguro do que o camarote de um navio que nos mantém de bunda lisa, mas que vai, pelo jeito, inexoravelmente, de encontro a um iceberg. Se ao menos eu pudesse ter a Kate Winslet na proa, ao som da Celine Dion... É como diz o velho deitado: Enquanto uns choram, outros vendem lenços. Ah, gostei do jeito como você se imaginou diante do trono do Senhor e das sugestões a Ele oferecidas para solucionar as encrencas aqui embaixo. E, Julinho... e se tudo isso for sinal dos tempos, hein? Uma amiga emprestou-me um livro, "Sinais de Esperança", de um adventista que afirma estar perto a parusia: "Estai, pois, preparados, porque, à hora em que não pensais, virá o Filho do Homem." Não se subestime, meu caro, os padres de hoje em dia estão mais preocupados com a luta de classes do que com a salvação das almas. Eu, fosse você, começava como coroinha. Cara, você tem tudo para chegar a cardeal. E porque não dizer, a papa! Terá de mudar o nome. Júlio tem a ver com César e, sabecomoéqueé... Habemus papam! Você lá em riba, naquela sacada, acenando para o povaréu lá embaixo, na praça. Agora, tem de deixar de lado o carnaval e o tal do boi de concha. Quanto a Ubatuba, não vejo jeito. Esta cidade tem atração por naufrágios.
Nota do Editor: Eduardo Antonio de Souza Netto [1952 - 2012], caiçara, prosador (nas horas vácuas) de Ubatuba, para Ubatuba et orbi.
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