Inquilinos na própria casa. Desterrados na própria terra. Outro dia, num desses supermercados extrativistas (*), eu e a patroa topamos com um casal de conterrâneos. Foi só alegria. Quatro ubatubanos num mesmo lugar! Coisa rara. No entorno, só estrangeiros, que, hoje, é a maioria da população. E nós quatro ali, ilhados. Sempre que me encontro com conterrâneos é para recordar, rir, e bater com a testa no muro das lamentações: a cidade se transformou numa suntuosa bosta. A impressão é a de que ubatubanos com mais de 40 anos estão mal instalados no que se tornou a cidade que um dia foi nossa. Os da minha geração conheceram a Ubatuba ainda menina-moça. Pobre, porém, limpinha, cheirosa em seu vestidinho de chita pelas canelas e laço de fita nos cabelos. Havia nela uma alegria inocente, hospitaleira, um jeito de ser honrado e esperançoso. Quando foi que teve início seu processo de corrupção? Que mãos a iniciaram? Como se prostituiu tanto assim? Será que, se tivéssemos concretizado aquela idéia zombeteira de colocar porteiras nas entradas do município, teríamos impedido a vinda de tantos salvadores-da-pátria e outros tantos heróis e heroínas? O diacho é que, para o defloramento, para o estupro, em muito contribuiu os nossos filhos-das-frutas aborígines, cafetões que se mancomunaram subservientemente aos forasteiros. Um desses salvadores-da-pátria escreveu recentemente num pasquim oficial da província que teria havido uma "explosão de auto-estima" na população ubatubense, devido a algumas atracações de navios de cruzeiro em nossa baía e por outras maravilhas que estariam sendo feitas em nossa cidade. Bullshit. Não acredito que tenha havido alguma explosão. No máximo, um pum. É pura mistificação para justificar a auto-cracia da política local e incentivar a auto-bestificação do eleitorado. Ubatuba perdeu, já na década de 1980, o diferencial que tinha. Hoje é apenas mais uma cidade dentre inúmeras outras ao longo da costa brasileira. As nossas praias já foram um luxo. Eram coisas raras. De fácil acesso, tornaram-se baratas. Restou-nos o veranista e um perfil que me faz lembrar um churrasquinho na laje, regado a cachaça, cerveja e pagode em volume ensurdecedor. É o que importa à galera. Quem faz o verdadeiro turismo procura outras plagas. Nós pagamos a conta. O desemprego e a inadimplência da atualidade são eloqüentes. Estamos a ver navios... (*) Supermercados que extraem nosso dinheiro e o investem em outras cidades.
Nota do Editor: Eduardo Antonio de Souza Netto [1952 - 2012], caiçara, prosador (nas horas vácuas) de Ubatuba, para Ubatuba et orbi.
|