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COLUNISTA
Julinho Mendes
30/01/2009 - 06h02
Tarioba: o marisco lambão
 
 
Julinho Mendes 

Frederico Lambão, assim chamado, era um taubateano. Vivia empenado e fora de esquadro, pois tinha ele um grave problema nas articulações da coluna que o deixava daquele jeito. Parecia bandeira de capela nos dias de noroeste. Devido à doença, seu médico ortopedista aconselhou que o melhor remédio seria as areias monazíticas existentes em algumas das praias do litoral norte paulista. Foi com essa indicação que Frederico Lambão passou a visitar Ubatuba. Comprou uma casinha e começou a freqüentar a praia Perequê-Açú, em Ubatuba, famosa pela medicinal areia monazítica. Todo final de semana, logo cedo, lá estava Frederico Lambão cavando buraco na praia para se enterrar. Era mais ou menos assim: ele cavava um buraco, deitava-se no fundo e mandava que a mulher o enterrasse, deixando somente a cabecinha de fora. Ali passava o dia todo, parecendo um paxá, comendo camarão, peixe frito e bebendo cerveja, tudo que a mulher lhe servia.

Certo dia, mês de julho, estava ele lá, com a cabecinha de fora e, devido o frio e o vento, colocou uma touca vermelha na cabeça. Vinham Santinho, Iaiá e o filho Ditinho de uma noitada de festa do Divino Espírito Santo que aconteceu no Itaguá. Ditinho, ainda moleque, ao ver aquela bola vermelha à solta na praia não pensou duas vezes, tomou distância, correu e meteu um chute naquilo que parecia ser uma “bola de capotão”. Ouviu-se um grito medonho:

- Aaaaaaaaaaaaaaaaiiiiiiiiiiiiiiii!

Aquilo que parecia ser uma bola era a cabeça de Frederico Lambão.

- Seu burro! Onde já se viu ficar enterrado na praia, só com a cabecinha de fora! Tava querendo tomar um chute mesmo. - Falou Santinho e confirmou dona Iaiá.

Depois desse episódio o taubateano Frederico Lambão nunca mais freqüentou a praia Perequê-Açú, passou então a visitar a praia da Barra Seca. Já se sentia melhor de sua doença e o caminhar era saudável, por isso, cada vez mais, ia se aproximando do canto norte da praia da Barra Seca. Foi nesse canto que um dia sentiu algo estranho a lhe incomodar. Estava ele enterrado até o pescoço quando, de repente, começou a perceber que tinha algo lhe lambendo os pés, as pernas, a bunda e até as partes. Era um incomodo, mas era prazeroso, pois sentia uma leve massagem. Quando as lambidas eram no sovaco, sentia cócegas e começara rir sozinho. Sua mulher já começava a desconfiar daquelas risadas e pensava que o marido estava virando viado, e assim falava:

- Que é isso, meu bem, se virar “boiola”, eu enterro você com cabeça e tudo! Preocupado com a ameaça da mulher, Frederico Lambão quis saber o que era aquilo que estava lhe lambendo embaixo da areia. Foi aí a surpresa! Descobriu então que aquelas “lambidas” eram de uma espécie de marisco. Pegou alguns e mostrou para os caiçaras que moravam na beira do jundu, para saber que diabo era aquilo. De pronto os caiçaras responderam:

- Isso é tarioba, o marisco lambão! Ali onde você estava enterrado tem muito disso! Esse bicho gosta de comer carne de defunto!

- Mas eu não estou morto!? - Rebateu Frederico.

- Não tá morto, mas parece, pois você tá mais branco do que cera de vela! - Gozaram os caiçaras.

Depois de mais esse fato, seu Frederico, sumiu também da praia da Barra Seca. O motivo foi porque a caiçarada o apelidou de Lambão, Frederico Lambão. Não se sabe onde o taubateano foi se enterrar.

A história de que o marisco tarioba gosta de comer carne de defunto era, logicamente, brincadeira dos caiçaras.

O tarioba é um molusco bivalve, comestível, muito apreciado pelos caiçaras. É chamado também de marisco lambão, pois para se enterrar ele põe a “língua” pra fora e começa a escavar, sumindo na areia em poucos segundos. O tarioba, de acordo com o seu tamanho, tem uma “língua” maior (ou menor). Tanto na desembocadura do rio como no canto da Barra Seca existiam grandes tariobas, uns chegavam a apresentar até dez centímetros de “língua”. Sem dúvidas, um molusco que garantia a alimentação de muitos caiçaras. Era apreciado cozido, assado, refogado com banana e cheiro-verde, no arroz, nos recheios de pastéis, em caldeiradas... Hoje não existe mais! O que encontramos ainda são algumas conchas abertas, em forma de borboletas isoladas, na praia da Barra Seca. Mas isso é sinal que eles ainda vivem, talvez estejam em lugares mais profundos do subsolo. Quem sabe um dia eles voltam a servir de alimento ao povo dessa terra.

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